Élcio e Patrícia

Quando há aglomeração, sabemos que depois alguém será nosso paciente”.

Nara Coelho
POR NARA COELHO

Élcio Rodrigo da Silva é o motorista da ambulância destinada a levar os pacientes da Covid-19 para os hospitais de maior complexidade quando a doença se agrava e o tratamento do paciente passa a exigir equipamentos e cuidados mais complexos.

Patrícia de Fátima Martins é a técnica de enfermagem que assiste o paciente na ambulância para dar atendimento, suporte emocional e controlar o oxigênio.

Carga horária de 24 horas

Essa dupla, que na realidade é uma equipe de tão engrenada que estão e preocupadas que são com os pacientes, fazem de tudo para que a transferência do paciente aconteça da forma mais segura, ágil e confortável possível. “A gente leva muito a sério o nosso trabalho buscando fazer com toda segurança e agilidade possível, mas sem nunca descuidar do bem-estar dos pacientes”, frisou Élcio.

Não há folga

Eles são responsáveis por todas as transferências, isso significa que para eles não existe diferença entre segunda-feira ou domingo, feriado ou não, veio o chamado que eles precisam levar um paciente, lá vão eles.

Não há horário, o aviso de que abriu uma vaga pode acontecer às 14 horas como a 1 hora da manhã e eles estão a postos, prontos para levar os pacientes. “Eu e o Élcio nos preocupamos em dar o máximo possível de conforto para o paciente ao transportá-lo de um hospital para outro, até porque eles estão no limite quando os pegamos para fazer a transferência”, disse Patricia.

Eles mudaram a vida para cuidar dos outros

Élcio é casado e tem filhos, porém, está ficando no hotel para não colocar a família em risco, já que ele está em contato direto com pacientes contaminados, “Usamos todos os equipamentos de proteção, tomamos todos os cuidados, mas prefiro não colocar a minha família em risco”. Ele os vê pouco e sempre de longe, ele no portão e a família lá, na porta da casa.

Patrícia é mãe de três filhos e tem uma filha especial, por isso optou por continuar indo para casa, “Tomo todos os cuidados, aqui em casa faço todos os protocolos de higienização. Me cuido no que posso. Graças a Deus a babá me ajuda muito, ela é meu braço direito. Uso direto máscara em casa, evito ao máximo pegar meus filhos no colo”.

Ela completou “Minha primeira casa é aqui no Sentinela e a segunda lá em casa, pelo tempo que temos nos dedicado ao trabalho aqui no Sentinela para ajudar os pacientes”.

Os pacientes

Hoje com toda a informação que as pessoas estão tendo sobre a doença, elas já sabem que quando o paciente precisa ser transferido de um hospital mais simples para um com maior complexidade de atendimento é porque a doença se agravou e muito. “Quando os pacientes chegam na ambulância estão nervosos ao extremo, estão preocupados, porque estão deixando a família, o pensamento deles é um só “Estou indo, mas será que eu volto”? Contou a técnica de enfermagem. Ao ver o paciente tão nervoso, preocupado, e como ele, ela tem ciência da gravidade da situação, isso mexe muito com o emocional e o psicológico dela e do Élcio, “Naquele momento me entrego, me dedico inteiramente ao paciente, tenho que dar o meu melhor, levar a ele esperança e ajudá-lo a se acalmar”.

Todos os pacientes ao serem transportados vão com um tubo de oxigênio que tem uma escala de utilização do oxigênio pelo paciente que vai de 0 a 15 litros por minuto.

Muitas vezes iniciam o percurso com o paciente utilizando a graduação alta de oxigênio, “Saímos daqui, o paciente está usando 15 de oxigênio, vou conversando com ele, ajudando a se acalmar e muitas vezes quando chegamos lá ele já está utilizando baixa 2 do oxigênio, isso renova nossa esperança e nos dá ânimo para continuar nessa luta diária”.

Os recados

 A dupla que já está atuando desde o ano passado na linha de frente no combate à pandemia, conta que para eles é muito difícil, dolorido, que mexe muito com eles quando os pacientes são colocados na ambulância e pedem para eles entregarem um recado à família, “Diz para a minha filha que eu a amo”, “Diz ao meu esposo que eu o amo”.  “Isso nos abala muito, mexe com a gente, pois sabemos que todos que levamos tem família e podem realmente não voltar a ver essa família. Fazemos nosso trabalho com muita dedicação, mas está sendo muito, muito desgastante emocionalmente”.

Nossa Esperança

Sempre que levam um paciente, eles vão com muita esperança que voltarão busca-lo. “Entregamos o paciente com vida e voltamos com o desejo que logo ele possa voltar para casa, pois ele deixou filhos, familiares lhe esperando. A nossa esperança é sempre que ele volte”.  

A realidade tem sido diferente

O municipio de Pinhão computa até o dia 24 de março 31 óbitos da Covid-19. Desses, 14 aconteceram nos 24 dias do mês de março.

Um desabafo

“Não sei o que acontece com as pessoas que não se cuidam, não usam a máscara, insistem em se aglomerar, não sei se elas ainda não acreditam, se só vão sentir quando acontecer com a família delas, não sei o que está acontecendo com a população, não estão ainda cientes do que nós estamos, estamos vivendo essa realidade triste, estamos perdendo muitas pessoas que não precisamos perder”, desabafam.

Não há vagas

Se eles têm levado muitos pacientes para outros hospitais, eles baixaram a cabeça, ficaram pensativos, me olharam e falaram com muita tristeza no olhar, “Não, porque não há vagas, tem paciente precisando ser transferido, mas não existe a vaga, e quando surge uma, é porque alguém veio a óbito”.

 Eles complementaram, “A paciente que faleceu a pouco ficou uma semana esperando pela vaga, vários pacientes precisam de cuidados mais especializados, mas, infelizmente, tem que ficar no hospital aqui, pois não há vaga nos hospitais da região”.

A espera na chegada

Quando surge a vaga é preciso ser ágil e rápido, pois a vaga fica reservada por um tempo determinado, “Se não estivermos com o paciente dentro do prazo dado, a vaga já é passada para outro paciente, nós aqui estamos sempre prontos, pois tudo que queremos é que os pacientes recebam os melhores cuidados possíveis”.

Eles explicaram que a chegada nos hospitais de referência não é simples, que muitas vezes há fila de ambulância na porta dos hospitais, “Um dia abriram duas vagas, solicitamos mais uma ambulância e uma equipe de apoio e fomos com os pacientes, quando chegamos ao hospital, além de nós, chegaram ambulâncias de mais três municípios. O hospital vai atendendo por prioridade, ou seja, o paciente que está mais grave. Aí é preciso ficar com o paciente na ambulância e ir acalmando-o”.

O atendimento no Sentinela é intenso

Nos últimos dias a média de consulta no Sentinela tem girado em torno de 80 consultas por dia.

A técnica de enfermagem explicou que entre os que procuram o Sentinela também estão os que já foram infectados, se curaram, mas voltam porque ficam algumas sequelas e aí precisam continuar sendo monitorados e cuidados.

Contaminação pela segunda vez

Outra situação que tem se apresentado é a reinfecção, pacientes que foram contaminados há meses, se curaram e agora foram contaminados novamente, “Já temos vários casos de reinfecção, tivemos paciente que na primeira vez foi leve e na segunda foi a óbito”.

Demora para buscar ajuda

Outro fator que tem agravado a situação é a demora das pessoas para  buscar ajuda, “Muitas pessoas ficam adiando para buscar ajuda, ficam em casa tomando chazinho, “ah é uma gripezinha”, dizem elas, é isso, é aquilo, quando não aguenta mais, já chega mal aqui. As pessoas demoram para vir, estamos com problemas para conseguir a vaga, aí a situação fica muito complicada.

O vírus tem contaminado os mais novos

A faixa etária dos pacientes que eles têm levado mudou muito esse ano, vários são bem novos, muitos estão entre 30 a 50 anos. “Já tivemos dois casos de criança, inclusive um bebê de 4 meses”.

Perda do paciente

“Quando vem a notícia da perda de um paciente, acaba com a gente porque nós apostamos na vida, nosso trabalho aqui na linha de frente só tem um objetivo, salvar vidas”.

Chorei

Patrícia contou que no dia anterior à entrevista, que foi realizada na segunda-feira, 22 de março, às 17 horas, domingo, ela tinha chorado pelo cansaço, pelo desgaste emocional, pelos pacientes que tinham falecido, pelo descaso de algumas pessoas, “No transporte eu levo gente muito mal, muito mal mesmo, não tem preço ver que alguém se salvou, mas, quando vemos alguém se aglomerando, parece que acaba a esperança, a gente vê a aglomeração e sabe que depois alguém será nosso paciente”.

Ver pessoas brincando, aglomerando nos entristece

“Nós estamos sobrecarregados e a gente não sabe mais o que fazer, ainda tem pessoas que brincam, que acham que é bobagem.

Pedimos à população que compreenda, crie consciência, porque os casos têm aumentado muito e a faixa etária agora é geral, inclusive crianças estão se infectando.

A população precisa se conscientizar, só sair para o extremamente necessário, usar máscara, não se reunirem, lavar muito as mãos, todo cuidado ainda é pouco, precisamos de toda ajuda, pois, sozinhos, nós da saúde não vamos conseguir vencer o vírus e vamos salvar menos vidas, nos ajudem, por favor”.

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