Um traço distintivo de todo e qualquer cidadão brasileiro é um profundo sentimento de impotência frente aos entreveros que atravancam a vida de todos; quer dizer, da vida de muitos.

Tenha esse indivíduo suas simpatias pela direita, ou esteja convencido de que os rumos a serem trilhados sejam os apontados pela esquerda, ou que o caminho mais acertado seria o passo indicado pelo centro, o fato inconteste é que, frequentemente, todo bom cidadão brasileiro meio que se sente largado no meio do mato da existência sem espingarda e sem cachorro.

Quem nunca se sentiu impotente frente às potestades deste mundo que atire a primeira pedra. Imagino que não sou o único e isso, francamente, não é mais reconfortante do que supor o contrário.

Mas não atiremos nossos pedregulhos no lombo dos donos do poder. Sejam aqueles que estão na ilha da fantasia de Brasília, ou na capital do curral Estadual, ou nas cercanias dos feudos municipais; que estejam exercendo o poder ou desejando voltar a fazê-lo. Nada disso. Creio que podemos usar nossas pedras noutra empreitada.

Mudando um pouco de assunto, mas não muito, lembram-se da imagem do filósofo cínico Diógenes de Sinope? Então, esse era o caboclo que, na antiguidade, nos idos do Helenismo, andava pelas ruas, com uma lanterna em mãos, à procura de um homem autêntico, que vivesse sua vida para além das meras exterioridades.

Bah! E até onde sabemos, ele nunca deu de cara com um exemplar desse tipo humano.

Quer dizer, talvez ele visse as ventas dum quando estava diante de um espelho, mas, provavelmente, ignorava a imagem que via de si refletida no aço.

Outra historieta, ma-ra-vi-lho-sa, do referido senhor, é aquela que nos conta que certa feita Alexandre, [dito] o Grande, havia se encontrado com Diógenes que, gostosamente, estava lagarteando. Aí, então, o poderoso Xandinho, de forma similar ao Xandinho do Supremo, projetando sua sombra sobre o filósofo largado, disse-lhe soberbamente: “Pede-me o que quiseres”. E Diógenes, o Cão, disse: “Sai da frente do meu sol”.

É meu amigo, o velho cínico não atribuiu ao jovem rei da Macedônia toda a pompa e importância que ele mesmo atribuía a si. Nós, da nossa parte, fazemos o contrário. Auferimos uma importância maior, muito maior, que essas figurinhas megalomaníacas tem de si mesmos.

Eis aí uma velha chaga que carregamos na alma mater nacional que é a Estatolatria em misto com o culto da personalidade dos caciques políticos.

Aliás, como nos ensina o historiador Thomas Wood, os estatólatras acreditam que tem o direito natural de espoliar terceiros – em nome do povo, dos fracos e oprimidos – para que eles possam se locupletar e, de quebra, fazer respingar algumas migalhas na algibeira dos seus apaniguados e similares.

Como todos nós sabemos, e como nos ensina Victor Nunes Leal em sua obra clássica “Coronelismo enxada e voto”, nos primórdios republicanos de nosso triste país, o mandatário político local era uma espécie de protetor, de distribuidor de todas graças que sua clientela, ou curral eleitoral, carecesse. Sim, era a fonte das graças por ser, de certa forma, a causa prima de incontáveis desgraças.

Outra obra, que merece ser de tempos em tempos revisitada, e que muito nos ajuda a compreender essa estrovenga que é nosso país, é “Raízes do Brasil” de Sérgio Buarque de Holanda. Nas suas páginas, lemos que certos elementos da sociedade brasileira, como o paternalismo, o personalismo, a falta de delimitação da esfera privada com a esfera pública, teriam suas raízes calcadas em nosso amargo passado escravista.

Além disso, o referido autor nos chama a atenção para o fato de que os caminhos da exclusão social no Brasil andam de mãos dadas com as pretensões políticas daqueles que pretendem [supostamente] incluir os destituídos dessa terra de desterrados, projetos políticos esses que claramente teriam como marca distintiva o populismo e o personalismo. E isso vale tanto para a direita como para a esquerda. Não tem choro nem vela.

Abre parêntese: o irônico nisso tudo é que Sérgio Buarque de Holanda assinou o documento de criação do PT por, na época, acreditar que estava se engajando numa posição de esquerda democrática antipopulista. Ele não viveu tempo o bastante para ver com seus próprios olhos o que iria acontecer no futuro com o lulopetismo. Acontece. Até os sábios erram. Faz parte da vida. Fecha parêntese.

Seja como for, os indivíduos que orbitavam, com maior ou menor proximidade, das franjas dos favores distribuídos, acabavam sentindo-se comprometidos, por meio dum tácito “pacto moral”, por causa do benefício que foi derramado na aba do chapéu.

É. Nesse universo político-cultural, a fidelidade deve ser sentida e demonstrada ao painho, o protetor dos desvalidos; e, tais demonstrações, são tidas como sendo um elemento fundamental de distinção [depre]cívica. Ou, como dizem os antigos: obrigação com obrigação se paga; ou, favor feito paga-se com voto no candidato que o “coroné” quer que seja eleito.

O coronelismo acabou, mas, como sabemos, o mandonismo nunca nos deixou; os pactos morais, até a véspera, não nos deixaram e, ao que tudo indica, dificilmente irão nos abandonar. Ao menos, não tão cedo.

De certa forma, ainda hoje, vemos muitos cidadãos, criticamente críticos, gritando a plenos pulmões o quanto devemos ser gratos a Fulano, Beltrano ou Cicrano, exigindo que todos os demais também o sejam e, principalmente, que não apontem as manchas presentes nas ações dessas figuras, figurinhas e figurões.

Enfim, é um trem bonito de se ver. Não. Mentira. Não é não.

Escrevinhado por Dartagnan da Silva Zanela

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