Olho para o céu e vejo, com esses olhos cansados cravejados em minha face envelhecida, a belezura do manto azul que cobre nossas cabeças, típico dos dias quentes de agosto. Um azul que me faz lembrar do azul do alvejante que era usado por minha mãe para lavar nossas camisetas brancas que usávamos para ir para ao Colégio.

Nossas camisetas, então craquentas da gola até a barra, depois de um enxague, e de um tempinho estiradas sobre a grama do quintal, voltavam a ficar alvas como um floco de neve, neve que nunca vi cair diante de meus olhos até o momento em que escrevinho essas linhas.

Caramba. Até hoje fico a me perguntar que propriedades o azulão do alvejante tinha, que era utilizado por minha mãezinha, para devolver a brancura para as camisetas que haviam sido encardidas por mim e por meu irmão. Talvez não seja algo, assim, tão complicado para se entender, mas, até o momento, não consigo compreender.

Bom seria se essa fosse a única coisa que escapa à minha limitada compreensão. Bom seria, mas não é o caso não. Basta abrirmos as páginas dos tabloides eletrônicos de nossa predileção para vermos a quantas anda a confusão demoníaca que se implantou de norte a sul em nossa triste nação. E lembremos que o que o cão mais gosta é a inversão de tudo que é bom para fazer troça da nossa cara.

Todos lembram-se que, por conta da crise sanitária, foi dada licença para “abusar da autoridade” para inúmeras “otoridades” de nosso triste país e que, por conta disso, estamos vendo sendo implantado em nossa sociedade uma distopia totalitária a despeito da presidência da república que, desde então, vê-se cada vez mais despida das prerrogativas de seu cargo e isso, vem sendo feito, à luz do dia pelos supostos Supremos interesses da república e do Estado democrático de direito para proteger-nos das supostas notícias falsas, dos hipotéticos discursos de ódio e demais tranqueiras hiperbólicas similares.

Aí, diante de tal ordem de descalabros, vejo, estampados nas páginas eletrônicas dos jornais, os Supremos togados mandando investigar a Polícia Civil. A razão para tal “solicitação” é que os policiais civis ousaram combater traficantes em favelas e, dessa forma, estaria descumprindo uma ordem dada pelos mesmos Supremos. A ordem de não realizar tais atividades durante a crise sanitária, excetuando situações excepcionais. É. O Brasil precisa ser estudado, digo, essa gente iluminada e de alma limpinha e alvejada precisam ser analisada.

Ainda nesse mês dos ventos que assobiam em nossos ouvidos, somos informados de que, segundo o Supremo Barroso, posições “anticientíficas” não podem gozar da proteção que é auferida pelo direito à liberdade de expressão. Bah! Ao ler isso, fiquei cá com meus alfarrábios, matutando, bem baixinho, para os supremos não ouvirem: será que quando o Barroso Supremo disse que o João de “Deus” era uma pessoa “transcendental” ele estava falando isso por ter acesso a um axioma que ninguém até então teve, nem mesmo as vítimas do transcendental guru mediúnico, ou havia proferido isso enquanto uma espécie de verdade dogmática que deverá ser aceita por todos nós, reles mortais obscurantista? Vai saber, não é mesmo?

E segura o chapéu que o vento não para de soprar nesse agosto que não acaba mais. Para a surpresa de zero pessoas, o TSE mandou suspender a monetização de inúmeros canais na internet sem apontar de forma clara as violações que foram supostamente cometidas pelos mesmos, nem indicaram os dispositivos legais que supostamente foram violados e, tudo isso, sendo feito à margem da sua competência. Quer dizer, ao que parece, para essa gente de alma alvejada, ser conservador ou manifestar-se de forma favorável ao presidente da república já é, em si, uma violação e não a manifestação da tal liberdade de expressão.

Bem, diante de tudo isso, penso que seria importante indagarmos: será que estamos diante de possíveis “crimes de opinião”? Será que estamos diante de um e outro crime de pensamento orwelliano? Não sei e, quem sabe, por razões óbvias não quer dizer.

Ao darmos de cara com esse tipo de notícia, não temos como não lembrarmos da prática que era utilizada pelo PRI mexicano – Partido Revolucionário Institucional – para censurar de forma cínica a oposição. No século passado, para melindrar a imprensa do contra, o PRI, através dos tentáculos burocráticos do Estado, mantinha o monopólio sobre o comércio de papel e, dessa forma, atrasava descaradamente a entrega da matéria-prima dos jornais, em alguns casos deixava de entregar e, noutros tantos, nem fornecia. Oficialmente, não havia censura, porém, cortava-se de forma habilidosa o meio de sustento das empresas jornalísticas que tinham a petulância de criticar a “cândida reputação democrática” do PRI.

E é claro que os cidadãos que julgam esses acontecimentos como sendo a coisa mais normal do mundo irão dizer que o “presidento” da república também está censurando seus desafetos, tendo em vista que o mesmo bloqueou quase duzentos caboclos – alguns, inclusive, jornalistas – que não podem mais acessar o perfil pessoal do Jair nas redes sociais. Diante disso, sou franco em dizer, na condição de presidente dessa birosca, ele não deveria ter feito isso [pois é, “Bonoro”, nessa você estragou as palhas boas]; porém, equiparar o bloqueio do acesso do perfil de um hater ao perfil pessoal de uma pessoa numa rede social ao assédio judicial que vem sendo promovido contra inúmeros jornalistas e formadores de opinião é algo tremendamente vil, digno do cachorrão da rainha de copas.

Retornemos ao crime pensamento orwelliano: é difícil não voltarmos nossos olhos para essa direção, pois essa é a consequência incontornável para os usos e abusos da linguagem que são feitos de forma inadvertida e leviana. Aí, meu amigo, são dois palitos para vermos figuras de linguagem tremendamente flexíveis serem utilizadas para criminalizar as pessoas. Figuras de linguagem, que por sua própria natureza, não são tipos penais, como Fake News, milícias digitais, discurso de ódio, atos antidemocráticos [essa é minha favorita], mas acabam sendo transformadas magicamente em crimes. Isso até seria engraçado se não fosse uma perigosíssima ameaça às liberdades individuais.

Abre parêntese: lembremos que, na Venezuela, há uns oito anos atrás, o judiciário manifestava-se muito mais preocupado com os opositores, que ameaçavam o regime, do que com os criminosos que ameaçavam os cidadãos. Fecha Parêntese.

Pois é, muitos estavam esperando que teríamos a implantação de uma ditadura fascista em nosso país, com perseguição às minorias, perseguição essa que seria perpetrada pelo famigerado “coiso” e, o que estamos vendo, diante de nossos olhos, é o descortinar de um outro filme de enredo totalitário. Enredo esse que a muito foi apontado por Rui Barbosa como sendo a pior forma de tirania. E essa, no caso, não seria uma ditadura de botina, mas sim, uma ditadura togada, que é conceituada pelos entendidos no babado como sendo uma juristocracia.

E como bom alvejante despótico, a juristocracia está calando todos aqueles cuja opinião, convicção política ou posição em relação ao sol os desagrade, ou lhes pareça inconveniente.

Possivelmente tais figuras vetustas não sabem o que estão fazendo. Sim, eu francamente espero isso. Elas provavelmente não sabem, porém, para a infelicidade geral da nação, tais ditos cujos pensam que sabem o que estão fazendo e, por isso mesmo, vão até o fim com essa sandice toda, pouco importando onde tais disparates irão nos levar.

Poderíamos dizer: corra que a juristocracia vem aí. Poderíamos, mas, infelizmente, ao que tudo indica, ela já chegou; e chegou para ficar.

Por fim, vale lembrar que onde há procura pela uniformidade da opinião pública, seja em nome do que for, o que temos é a exibição garbosa das garras da tirania. De mais a mais, como todos nós sabemos, sem manchas de pó e suor na gola e algumas marcas de craca na barra da camisa da vida, não há liberdade, nem república e, muito menos, democracia.

Escrevinhado por Dartagnan da Silva Zanela

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