Era o dia 5 de junho de 1989, na China, mais precisamente na cidade de Pequim. Ali, um dia antes, o governo chinês havia reagido de forma truculenta aos protestos pacíficos que se seguiam após a morte de Hu Yaobang, um ex-líder comunista que lutava por mais democracia. Estudantes lideravam caminhadas e protestos desde o dia 15 de abril, e em 4 de junho de 1989 acabaram reprimidos pelo Exército de Libertação Popular (força militar da República Popular da China). Eram em torno de cinco mil pessoas que acreditavam que o governo do Partido Comunista era demasiado repressivo e corrupto, que as reformas econômicas na China haviam sido lentas e que a inflação e o desemprego estavam dificultando suas vidas. A quantidade exata de mortos e feridos é um segredo de Estado na China, mas várias obras falam em milhares. Esse episódio ficou conhecido como “Massacre da Praça da Paz Celestial”.
No dia posterior ao massacre, as tropas ainda ocupavam as ruas e avenidas nos arredores, e perseguiam qualquer um que ainda insistisse em se manifestar contra o governo. Tanques e outros veículos militares desfilavam ameaçadores pelas ruas, armas eram apontadas, pessoas agredidas. O mundo começava a receber algumas poucas informações e imagens dos fatos, já que a China comunista sempre foi muito fechada.
Eis que um homem, segurando uma sacola em cada mão, coloca-se de pé no meio da rua enquanto os tanques se aproximavam. Os tanques paravam e o homem aparentemente os mandava embora, e os veículos manobravam para desviar dele. Mas o corajoso manifestante dava passos para o lado, e novamente se colocava em frente ao tanque. Parado, pacífico, desarmado, num exemplo de atitude de não-violência. Bastava os ocupantes do tanque desejarem, e o homem seria esmagado, ou até levaria um tiro, seria destroçado. Espantosamente, após bloquear os tanques, o homem escalou até o topo do tanque da frente, e conversou com quem comandava a máquina pesada. Depois, duas pessoas com roupas azuis levam o homem embora, e eles somem na multidão, e os tanques segue, seu caminho.
Testemunhas acreditam que o homem tenha sido executado a mando do governo chinês, como ocorreu com outros tantos. Nunca foi possível identificá-lo, mesmo após as fotos e gravações em vídeos do episódio tornarem-se públicas. Chegaram a comparar a cena com a passagem bíblica de Davi e Golias, um homem apenas, desafiando um exército inteiro. Pode ser que não tenha dado em nada, mas a coragem desse desconhecido ficou para a História.
Existem muitas situações em nossa vida pessoal e profissional, questões relacionadas à nossa comunidade, à política, ao mundo enfim, em que nos acovardamos. Muitas vezes calamos, não agimos, não enfrentamos situações apenas por medo, para não “ter complicações”. E até engolimos sapos, contemporizamos com absurdos, com covardias, violências, desmandos, atitudes criminosas. Não falamos nada, não protestamos, não lutamos por algo justo. Esse desconhecido de Pequim nos deixa um exemplo quanto a isso, de que devemos sim ter coragem para enfrentarmos os desafios que se apresentam. Nem sempre se sai vencedor, mas a pior derrota é a covardia.
José Carlos Correia Filho – professor de História