Por Dominique Acirema S. de Oliveira 

Em um discurso efusivo proferido dia 3 de fevereiro de 1987, o deputado Ulysses Guimarães disse a: “Constituição deve ser – e será – o instrumento jurídico para o exercício da liberdade e da plena realização do homem brasileiro. (…), o grande ideal de igualdade e fraternidade.”

Logo após, mais ou menos um ano, no dia 5 de outubro de 1988, o mesmo Ulysses celebra o resultado, a Constituição Federal, a constituição cidadã (mas que beleza, em fevereiro tem carnaval!).

Entretanto, nossa Constituição nasce com tons e semitons de ameaça, o mesmo, até então deputado, declara sobre a constituição: “Descumprir, jamais.  Afrontá-la, nunca. Traidor da Constituição é traidor da Pátria”. (Maximilien de Robespierre manda um: opa, bão!)

Mas sejamos justos, sim existe uma severa dificuldade em incluir ou modificar os artigos constitucionais, no bom “juridiquês”, ela é rígida. Porém, outro “terminho” juridiquês, a mutação, que nada mais é que a possibilidade de alterar o sentido de uma norma sem precisar fazer uma mudança expressa no texto. Diria o capitão Nascimento: “O sistema entrega a mão pra salvar o braço. O sistema se reorganiza, articula novos interesses, (…). O sistema é foda parceiro!

Não é um ataque a Constituição! Mas uma constatação, uma comparação. Depois do iluminismo e dogmas materialistas foi centralizado no homem a raiz de toda virtude, uma esperança infantil, que desvia o olhar de Deus e deposita a esperança no leviatã.

E é nesse ponto que gostaria de chegar: Deus. O Brasil é um país que valoriza uma certa moralidade, uma responsabilização pela liberdade. Falo da sociedade em geral, não de uma classe artística barulhenta defensora do relativismo geral, nem mesmo da nossa fauna política que entre um filme pornô e outro vota em alguma lei. (olha, não existe o fundo do poço quando se está com uma pá)

No preâmbulo da Constituição Federal se lê: “(…) promulgamos, sob a proteção de Deus, a seguinte CONSTITUIÇÃO DA REPÚBLICA FEDERATIVA DO BRASIL.”

Eu me pergunto, qual anseio esse de fazer constar um “Deus” em um documento oficial do mais alto gabarito? E pergunto isso por que a mera menção não é garantia de nada, lembra? Mutação. (Claro, forcei a barra aqui, mas foi bem intencional, o preâmbulo não é parâmetro de controle de constitucionalidade)

Espírito do tempo? Anseio popular? Devoção dos políticos à época? Sinceramente não sei. Ainda mais se tratando de um país declarado laico nessa mesma constituição: “estabelecer cultos religiosos ou igrejas, subvencioná-los, embaraçar-lhes o funcionamento ou manter com eles ou seus representantes relações de dependência ou aliança,”.

Pois bem, a declaração universal dos direitos do homem e do cidadão de 1789 também tem em seu preâmbulo algo muito semelhante: “Por consequência, a ASSEMBLEIA NACIONAL reconhece e declara, na presença e sob os auspícios do Ser Supremo, (grifei) os seguintes direitos do Homem e do Cidadão:

Mas onde você quer chegar com tudo isso? Perceba, no modelo francês, que há influências de Voltaire, Rousseau dentre outros, a religião está delimitada em um espaço privado não exercendo influência. Por outro lado, por exemplo, no modelo norte americano, a qual também recebe influências de Locke, Hobbes também é considerado que a religião está em um campo privado, porém, é relevante e deve ser considerado nas relações sociais e jurídicas.

E isso é tão clássico que bastar esforçar a memória e lembrar de cenas em júris americanos os quais colocam a mão sobre uma bíblia e fazem juramento perante Deus em dizer somente a verdade.

Já nossos amigos franceses que em 12 de julho de 1790, votam e aprovam um decreto: a constituição civil do clero. Muito bonito, muito democrático, sem violência e violação dos direitos (SQN).

Sob os auspícios do Ser Supremo” o terror jacobino não poupou nem mesmo os religiosos que recusaram a jurar a constituição civil do clero. Então foi sancionadas leis que previam prisão e multas (até por que estava vigente o Art. 7º da Declaração Universal do Direitos do Homem e do Cidadão, que dizia: Art. 7º- Ninguém pode ser acusado, preso ou detido senão nos casos determinados pela Lei)

Então foi aprovada a Lei do Exílio, em 14 de agosto de 1792 e cerca de 400 padres tiveram que deixar a França. Ainda, a descristianização é uma política incentivada e apoiada pela recém formada república. Monges que se recusavam a deixar os conventos eram condenados à morte. Um caso emblemático foi o assassinato de 16 freiras da Ordem do Carmo.

Chego a uma conclusão bastante simples: alie o racionalismo dogmático às doutrinas materialistas, relativize a moral e concentre tudo em direitos metafísicos, voilà! A receita do caos! E melhor, com aprovação popular.

O apelo é: não deixemos que nos satisfaçam apenas por mencionarem Deus em algum documento, porque não demoram a querer retirar de ambientes públicos objetos sacros, frases das notas monetárias, de repente fica proibida a mera menção do nome Deus… passa um tempo votam democraticamente alguma lei que proíba cultos religiosos por pregarem uma moral elevada e por certo “inalcançável”. Lutemos o bom combate!

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