Bruno Zampier

Por Bruno Zampier

Desde o fim do regime militar, o cenário político brasileiro foi completamente dominado por ideologias de esquerda. De José Sarney, Leonel Brizola e Fernando Henrique Cardoso a Lula e Dilma Roussef, o espectro político oscilava muito sutilmente entre estratégias mais ou menos radicais de intervenção na economia, assistencialismo populista e políticas públicas progressistas. O vasto domínio das ideologias de esquerda – na grande mídia, nos sindicatos, nas universidades federais – acabou por fim a render ao partido dominante, talvez até de forma ingênua, a crença de que estaria acima da lei.

Se é certo que ao longo da história muitos grupos de extrema esquerda fundaram ditaduras sanguinárias em que julgavam a tudo e a todos e por ninguém eram julgados, também é certo que conquistar uma tal posição requer uma estratégia muito agressiva – para não dizer violenta –  o que é incompatível com o momento político atual. Na atualidade, nada de gulags, campos de concentração, deportações ou confiscos. Tudo se conquista através de propinas, acordos espúrios, fake news, radicalização política das massas, deturpações da história e muita engenharia social. 

Compreender o complexo esquema ideológico que nos cerca e escapar dele, é tarefa para estudiosos dedicados. Mesmo assim, a esquerda viu a sua hegemonia ruir com o advento de certas figuras na internet, a mega-operação Lava-Jato e a eleição de Bolsonaro. De uma hora para outra, o alinhamento entre PT e PSDB – disfarçado e escondido durante anos – foi denunciado aos quatro cantos do país, revelando que o cenário político nacional simplesmente carecia de uma autêntica direita, verdadeira oposição à esquerda.

Os esquemas bilionários de propina, desvios de verbas públicas, investimentos gigantescos em países governados pela extrema esquerda – como Cuba, Venezuela e Bolívia – despertaram a revolta em milhões de brasileiros. Tais indivíduos sentiram então a necessidade de posicionar-se contra a quadrilha organizada que assaltou o país. A partir de então assumiram uma posição ideológica oposta que, no ponto nevrálgico de seu antagonismo à esquerda, assume o nome de conservadorismo. Caíram aí de para-quedas, levantando uma bandeira política que não tremulava no país há décadas.

Ao invés da intervenção estatal na economia, livre mercado; ao invés de novas formas de família, família tradicional; ao invés de legalização do aborto e das drogas, defesa da vida desde a concepção e punição severa a usuários e traficantes; ao invés de estado laico, defesa contundente dos valores morais cristãos. Russel Kirk, talvez o maior pensador conservador do século XX, afirmava que o conservadorismo opõe-se à concepção materialista e relativista da esquerda pois baseia-se na idéia de que os valores morais que norteiam a vida privada e a sociedade possuem um caráter racional e objetivo – independem de sentimentos ou de aprovação democrática – e estão enraizados em uma crença religiosa na existência de Deus e na necessidade de prestar-lhe culto. O conservador é um sujeito que crê na existência de um mundo espiritual que governa o mundo e no qual ele encontra sabedoria para conduzir-se na vida.

Ocorre que, ao cair de pára-quedas no conservadorismo, após um acesso de ódio histérico e tardio contra os desmandos da esquerda, o recém-nascido conservador brasileiro mal consegue disfarçar a sua incapacidade de nortear a sua própria vida conforme os ideais conservadores. Ele é conservador, muito mais por  ódio à esquerda, do que por verdadeiro amor ao estilo de vida conservador. A diferença quando observamos as grandes figuras do conservadorismo inglês ou americano é gritante.

Lá, onde existe um conservadorismo enraizado na tradição política e social, os conservadores de fato vivem de forma coerente com suas crenças. Católicos que não freqüentam a missa de domingo ou que divorciaram-se de suas esposas para se casar novamente com uma jovem de vinte e poucos anos, certamente são muito mais raros do que aquilo que vemos por aqui.  

O novo conservador brasileiro quer defender os bons costumes e usar a moral como porrete para espancar a esquerda no debate político, mas no churrasco com os amigos quer beber até cair, compartilhar vídeos pornográficos, praticar adultério, divorciar-se quando conveniente, negligenciar a educação dos filhos, raramente pisar na Igreja e assistir séries picantes na Netflix. Ele é um católico que não comunga nem confessa, ou um protestante que sequer lê a Bíblia. O socialista de iPhone deu à luz ao conservador dionisíaco. Para ele, os valores morais e a religião são meros porretes para derrubar do poder aqueles que o roubaram.

No entanto, sua posição só é confortável e segura enquanto não precisam prestar contas sobre os valores que defendem. Eles não imaginam que, uma vez no poder, terão suas vidas  escancaradas na grande mídia e ironizadas pelos políticos de oposição: “olhem todos! o conservador, defensor da moral e dos bons costumes, é tão ou mais devasso que nós, os progressistas! hahaha”. Já posso até ouvir os risos da platéia.

De minha parte, confesso que tenho dificuldades em sentir compaixão por hipócritas desvelados em público. O que me preocupa é que assim vão emporcalhar a tradição e a imagem da religião que defendem.

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