* Mariana Dias Mariano e Rafael Osvaldo Machado Moura
Nas últimas semanas, mais precisamente durante a cobertura da Copa do Mundo na Rússia, vários casos de assédio praticados em prejuízo de mulheres têm sido noticiados, tanto contra torcedoras, como contra profissionais da imprensa. Além disso, atos de racismo em sentido amplo também têm vindo à tona. Desde a eliminação da seleção brasileira no Mundial, no último dia 6 de julho, o jogador Fernandinho tem sido insultado com palavras ofensivas, racistas e de ódio nas redes sociais.
As situações de assédio contra as mulheres têm sido manifestadas por beijos forçados, toques indesejados e abraços involuntários, além de ofensas misóginas, algumas de cunho sexual, causando sérios constrangimentos às vítimas que se encontravam entre torcedores homens.
As ofensas exercidas contra a jornalista brasileira Mariana Zacarias, que está cobrindo a Copa do Mundo na Rússia, denotam a naturalidade com que a violência contra mulheres ainda impera em nossa sociedade. Em uma delas, um homem tentou beijá-la à força enquanto a jornalista se preparava para uma intervenção diante da câmera. Em outra ocasião, outro homem lhe tocou as nádegas. Por fim, Mariana foi agarrada por um desconhecido, igualmente contra sua vontade.
Cabe ressaltar que esses modelos de conduta não são atualmente tolerados pelo direito brasileiro, apesar de ainda o serem culturalmente e, em alguns casos, até mesmo aprovados (tratados como meras brincadeiras engraçadas) por parte de nossa sociedade.
Em nosso País, as ações de beijar, tocar ou agarrar alguém de modo forçado, caso envolva violência física ou grave ameaça, poderão configurar prática do crime de estupro, previsto no artigo 213 do Código Penal, com pena de 6 a 10 anos de reclusão (prisão em regime inicialmente fechado).
Caso não se encaixem no crime de estupro, tais condutas podem ser catalogadas na figura típica preconizada no artigo 61 da Lei de Contravenções Penais, que penaliza a ação de importunar alguém, em lugar público ou acessível ao público, de modo ofensivo ao pudor. Ainda, se a ação ou omissão ofender ou humilhar publicamente a vítima, atingindo sua honra subjetiva, poderá configurar crime de injúria, com pena prevista no artigo 140 do Código Penal.
Em resumo, é importante se ter em mente que tais atos molestadores da liberdade, no mais das vezes em prejuízo das mulheres, não são admitidos pela lei brasileira, gerando repercussões criminais a seus autores.
De outro lado, atos racistas são repudiados na Constituição da República e considerados crimes imprescritíveis e inafiançáveis, podendo, basicamente, gerar dois tipos diferentes de crimes. No caso de insultos contra pessoas específicas, em razão da raça, estará consumado o crime de injúria racial, previsto no artigo 140, § 3º, do Código Penal, com pena de reclusão de um a três anos e multa.
Tal delito se perfectibilizará por meio do uso de palavras depreciativas com relação à condição da pessoa atingida por motivo de raça, cor, etnia, religião, origem ou da condição de pessoa idosa ou com deficiência. Em tais casos, para o exercício da ação penal, a vítima deve manifestar seu interesse, perante a polícia ou o Ministério Público, de que o autor do fato seja investigado, processado, condenado e punido.
Já quando a conduta de preconceito ou discriminação se dirigir a um determinado grupo ou coletividade, estaremos diante dos crimes de racismo em sentido estrito, previstos na Lei 7.716/1989. Destacamos o crime previsto no artigo 20 desta Lei, que torna criminosas as condutas de praticar, induzir ou incitar a discriminação ou preconceito de raça, cor, etnia, religião ou procedência nacional. Assim, é criminoso o discurso de ódio voltado a destilar preconceito e discriminação a grupos sociais pelos motivos citados.
Por fim, recordamos que tais crimes podem ser praticados por meios telemáticos (internet, principalmente redes socais), o que não afastará a responsabilidade criminal dos seus autores.
Assim, é imprescindível que as pessoas tenham consciência de tal legislação, para que, diante de similares atos sexistas ou racistas, procurem a polícia e/ou o Ministério Público para reportar os fatos delituosos e dar início à investigação, evitando a impunidade.
O mais importante na luta contra o machismo e o racismo é que se efetive o respeito de todos e todas por todas e todos, por meio de uma transformação cultural que valorize a pluralidade e a empatia. Porém, se determinadas pessoas optarem por não atuar inspiradas nos melhores e mais civilizados valores humanos, restará, nos casos extremos, o direito penal como instrumento de proteção das vítimas.
* Promotores de Justiça que atuam no Centro de Apoio Operacional às Promotorias de Justiça de Proteção aos Direitos Humanos.