Há duas décadas, os médicos solicitam a intervenção da Agência Nacional de Saúde Suplementar (ANS) para tornar mais equilibrada e justa a relação entre as operadoras de planos de saúde, eles, os laboratórios, os hospitais e os pacientes. A classe médica busca a construção de um sistema em que as pessoas (usuários) tenham coberturas para suas principais demandas em saúde, segurança e autonomia para o exercício da boa medicina, além de remuneração adequada à importância de cuidar de vidas humanas.

A criação de uma câmara técnica na ANS, específica para esse fim, em 2018, sinalizou a possibilidade de avanços. Até porque houve uma série de reuniões, audiências e consulta públicas – com mais de quatro mil contribuições da sociedade civil. Porém, tivemos resultados frustrantes, há cerca de um mês, na 528ª reunião ordinária de Diretoria Colegiada da ANS.

Em tempos recentes, vemos a ANS cada vez mais dissociada de sua missão de “promover a defesa do interesse público na assistência suplementar à saúde, regular as operadoras setoriais – inclusive quanto às suas relações com prestadores e consumidores – e contribuir para o desenvolvimento das ações de saúde no País”.

Incoerência e descaso social. Atravessamos a mais feroz crise sanitária da humanidade. Planos de saúde veem reduzir seus custos com consultas, exames, procedimentos simples e até cirurgias, já que impera entre pacientes receio em ser infectado pela Covid-19.

Hoje, promover o interesse público é garantir às vítimas da Covid-19 as melhores possibilidades em exames e procedimentos, tanto na rede pública quanto na suplementar. Na mesma linha, é imperioso o respeito aos prestadores de serviços médicos, que expõem suas vidas para assistir à população.

A relevância do papel dos médicos ganha dimensão elevada no contexto atual, com seus desafios econômicos e sociais, cujo enfrentamento passa obrigatoriamente pela gestão individual e pública da saúde. Pesquisa do DataFolha, de 20 de julho, registra que os médicos têm hoje a maior credibilidade entre todos os grupos profissionais, com 35% de confiança dos brasileiros.  

Não há atendimento à saúde sem o médico. Aliás, Medicina são os médicos. Assim, não existe objeto de contrato de plano de saúde sem a atuação do médico.

Ao não exercer o seu papel institucional, a ANS confere poder ilimitado às operadoras, que descredenciam médicos e demais prestadores de serviços sem critérios claros, inúmeras vezes sem justificativas, e impõem honorários indignos e – em situações não raras – até sem-contratos ou com termos de adesão que não podem ser negociados.

Modelos de relacionamento das operadoras, burocráticos e pouco transparentes no pagamento de honorários, facilitam glosas, impossibilitando unilateralmente que os profissionais recebam honorários pelos serviços prestados.

Diante de tais abusos, a ANS se esconde atrás de siglas, nomenclaturas, procedimentos, posicionamentos controversos e muita burocracia para mascarar o não cumprimento de suas obrigações.

Com tais subterfúgios, ao continuar ignorando todas as dificuldades enfrentadas pelos médicos e demais prestadores de serviços vinculados de alguma maneira às operadoras de planos de saúde em razão de justificativas como essas, a ANS atesta inoperância endêmica, que sequer faz cumprir o que determina a legislação em vigor.

Como médico, é obrigação nossa exigir a valorização da profissão junto aos conselhos, associações, sindicatos e sociedades de especialidades. São representações que têm obrigação de se dedicar ao assunto e, em conjunto, abrir caminhos alternativos para assegurar equilíbrio mínimo neste setor.

É missão de vulto tão grandioso quanto assegurar que nossos pacientes sejam respeitados pelos planos de saúde, coibindo abusos, negativas de cobertura e garantindo-lhes acesso ao que a Medicina tem de melhor, em todos os campos de sua abrangência.

César Eduardo Fernandes, fundador do Movimento Nova AMB e diretor científico da Febrasgo – Federação Brasileira das Associações de Ginecologia e Obstetrícia

 

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