Por Dartagnan da Silva Zanela (*)

Pobre povo brasileiro. A culpa de todos os males que assolam a nossa triste sociedade é depositada na paleta dele. Do povo. Principalmente em ano eleitoreiro. Aí sim, as sete pragas do mundo político são rogadas contra o tal do povo pelas excelsas vozes dos cidadãos esclarecidos. Sejam eles reles votantes, sejam eles vulgo votáveis, lá estão eles responsabilizando o povo pela má qualidade de nossa cultura política com bravatas que rezam que aquele que vende o seu voto é tão corrupto quanto aquele que compra. Que o povo não sabe votar, não sabe escolher, não sabe isso, nem aquele outro.

Pois olhe, eu também não sei se sou bom nisso. Aliás, acredito que aquele pobre diabo que é acusado de ser um mau votante joga com muito mais habilidade esse jogo de cartas marcadas, que é nossa cambaleante democracia, do que nossos esclarecidos cidadãos.

Para melhor proclamar minha heresia, permitam-me recorrer a um causo para, a partir dele, ensaiar uma quase sociologia política cabocla. Diz que, num pago não muito distante, numa Era que não mantém muita lonjura da nossa, havia um senhor humildade, típico espécime do tal do povo, que chamaremos pela graça de Tibúrcio, que havia negociado seu apoio político (vendeu seu voto), e de todos os membros de sua extensa família, a um candidato cujo número era 69. Segundo ele, mesmo que o abençoado não lhe oferta-se a bagatela que lhe fora regalada iria votar nele, pois confiava do dito cujo. Sabia que o tal candidato não era uma sumidade, mas era o “menos pior”, aparentemente. Tanto que autorizou que uma placa do mesmo fosse afixada na frente de seu rancho.

Porém, quando foi se aproximando o dia da votação, um candidato a vereador que apoiava a outra raposa felpuda que disputava a cadeira de mando, foi até a morada do seu Tibúrcio para tentar negociar o seu apoio. Ou seja: comprá-lo.

Papo vai, papo vem, e nosso protagonista lembra ao sinhô que em sua casa eles são muitos votos, que ele já havia apalavrado seu apoio com o pessoal do 69 e que não poderia, assim, mudar na ventana para o 24. Segundo ele, isso não seria direito. Resumindo o entrevero: o apoio dele, da mulher e dos filhos, foi conquistado por uma ninharia de R$ 1.879,50. Estando bom para ambas as partes, fechou-se o acordo.

Tendo os pilas em mãos, disse Tibúrcio a sua esposa: “Mulher! Pegue esse dinheiro e guarde lá dentro. Esse dinheiro é nosso. Eles tinham roubado de nós e estão nos devolvendo agora”.

Constrangido pela fala do nosso humilde representante do povo, a raposa, agora, de cola baixa, disse, maliciosamente: “Bem, vamos agora derrubar essa placa do 69 e vamos colocar uma do nosso candidato.”

Tibúrcio, de pronto, responde: “Ninguém tira essa placa daí não! A casa é simples, mas é minha! O homem da casa sou eu! Logo, quem manda aqui sou eu!”

A raposa, irritada, e um tanto desnorteada, indagou o pobre homem: “E o nosso acerto? E o dinheiro que eu lhe dei fica a onde?”

Serenamente, Tibúrcio mira bem nos olhos da raposa e com um sorriso enigmático que se alongou em seu cansado rosto marcado pelo sol, lhe diz: “Pois olhe meu sinhô, se você não gostou do que eu disse e do que eu fiz, é bem simples: vamos pra delegacia e lá o sinhô pode registrar um B.O.”

Ora, ora, meu caro cidadão, o pobre povo brasileiro sabe muito bem jogar esse jogo sujo, para a angústia das raposas vorazes. Suas escolhas do povo não são boas não porque ele é corrupto, mas sim, porque as possibilidades que lhe são apresentadas são, na maioria das vezes, ruins feito a peste. De mais a mais, causos como esse integram o imenso caldo que dá sustância à vida política brasileira e que muito nos revelam sobre a criatividade dos populares em sua arte de ludibriar aqueles que tanto os espoliam sob a égide duma republiqueta que, bem sabem eles, não é coisa séria.

Sim, certa feita o jornalista republicado Aristides Lobo havia dito que o povo brasileiro era bestializado. Pois olhe: creio que o besta na história não é o povo não, cidadão. Não é bem ele não. Ou é?

(*) Professor, cronista e bebedor de café.

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