Tenho uma regra que, desde longa data, carrego comigo. É bem simples: toda vez que me sinto encolerizado frente a algo que ocorre comigo, pouco importando qual seja a sua natureza, sei que estou tendo uma visão parcial da encrenca. Logo, tenho que esfriar a cuca.
Se não sou capaz de rir diante duma situação, se não consigo fazer troça de mim mesmo, é porque, bem provavelmente, há algo que não estou dando a devida atenção.
E assim o é porque a realidade é fundamentalmente composta por uma trama de fios que se contradizem e se contrariam. Fios esses que, inclusive e principalmente, compõem o nosso caráter e acabam dando forma às nossas ações.
Lembro-me que, certa feita, uma senhora que parlava para um grupo de pessoas, e eu estava entre os ouvintes, sobre as contradições do sistema “capitalista” e toda aquela conversa que todos nós já estamos cansados de ouvir. Alguns carecas de ouvir. Bem, lá pelas tantas, resolvi apontar o fato de que não é o sistema, a sociedade e o caramba a quatro que são contraditórios, mas sim, que eles o são porque nós, seres humaninhos, somos contraditórios, perenemente contrariados por nossa própria natureza decaída.
Ora, qualquer um, penso eu, sabe disso, mas, na ocasião, o que realmente me impressionou foi o olhar da douta senhora que, do alto de seus títulos, expressou um assombro sincero com o que fora dito por tão imprestável criatura (eu, no caso).
Uma obviedade que, com seu laconismo realista, estourou seu balão teórico-crítico.
Na realidade, cada um de nós, uns mais que outros, têm por hábito apenas querer ver aquilo que é conveniente. Digo, apenas aquilo que consideramos oportuno.
Ora, confesso que compreendo perfeitamente que uma pessoa, quando está defendendo o que considera seu por direito assim proceda, haja vista que a vida em sociedade não é, e nunca será, um reino paradisíaco, perfeitinho.
Gostemos ou não, as sociedades sempre serão um reflexo de nossa decaída natureza e, o que torna algumas mais suportáveis que outras, é a capacidade que os indivíduos têm para se governarem, de se responsabilizarem por suas vidas.
Agora, quando o sujeito procede assim e quer porque quer que as pessoas pensem de acordo com seu jeito malandro de ser e, ainda por cima, achem os seus desatinos o suprassumo da cidadanite, temos, diante de nossos olhos, um indivíduo que quer amputar a realidade de suas contradições e exige, é claro, que todos façam o mesmo.
Quanto isso ocorre, o resultado é uma explicação bem redondinha, simples e caricatural dos problemas que, por comodidade e conveniência, arranca rompantes emotivos de qualquer um sem, necessariamente, ter entendido algo.
Resumindo: quando a injustiça sofrida por nós parece-nos muito clara, quando nos vemos unilateralmente como vítimas disso ou daquilo, é porque estamos, pragmática ou oportunisticamente, vendo apenas um dos lados da moeda. E, bem provavelmente, o lado mais mesquinho dela.