Estava tão cheio, mas tão cheio, que não era preciso andar.

O único trabalho que teve foi se colocar na direção que queria seguir e agarrar-se firmemente aos seus pacotes.

Ficando assim, foi literalmente arrastada para fora da loja.

Todos os anos planejava não sair na semana de natal para fazer compras.

Comprava pouco para a data, era “modesta”, não fazia firula para o mundo inteiro.

Presenteava sempre as mesmas pessoas todos os anos: pai, mãe, irmão, cunhada, sogra, marido e filho.

As únicas pessoas que recebiam uma gracinha eram os amigos “ocultos”, ninguém mais:

“Não tenho dinheiro para gracinhas. Está tudo muito caro hoje em dia.”

Era seu discurso todos os anos.

Como eram tão poucos, todo começo de ano, rezava a mesma ladainha:

“Que droga, comprei tudo que queria e precisava para esse Natal no cartão de crédito, por isso, nem posso aproveitar essas promoções. Se eu não tivesse feito tantas dívidas, podia já comprar os presentes para o Natal agora em  janeiro. Compraria tudo mais barato nos queimões e guardaria. Quando chegasse dezembro, não precisaria nem passar perto das lojas.”

Enquanto andava embaixo daquele sol escaldante em direção ao carro que deixara a uma distância absurda da entrada do shopping, ia xingando baixinho o sapato que escolhera para a ocasião e por ter sido mais uma vez tão enrolada.

Foi quando veio voando uma revista e se enganchou nas suas pernas:

“Que porcaria, agora estou sendo atropelada por revista.”

Tentou se desvencilhar daquilo de todas as formas: chutou, esfregou o pé na revista e, quando já estava quase caindo, resolveu se abaixar para pegar e jogar a tralha longe.

Quando já ia colocando a pobre revista para voar, passou os olhos pela seguinte frase:

“Como não repetir a lista de propósitos do próximo ano na lista do outro ano que você nem sabe se virá.”

Achou um tanto estranha e desenjambrada aquela frase, mesmo assim, ajuntou o que até há pouco era lixo e colocou na sacola com a boca mais aberta.

Foi para casa e, com a correria aparentemente sem fim esqueceu a história.

Quando foi colocar os presentes embaixo da árvore leu outra vez:

“Como não repetir a lista de propósitos do próximo ano na lista do outro ano que você nem sabe se virá.”

Coçou a cabeça:

“Eu e minha mania de pegar lixo na rua e trazer para casa. Não me basta o que já tenho aqui?”

Pegou a revista e colocou junto a outras na cesta do banheiro.

Quando teve uma grande necessidade e um tempinho de sossego, resolveu exercer suas atribuições de rainha, foi quando olhou em direção à cesta e viu a revistinha.

Resolveu abri-la e descobrir do que se tratava aquele manual de instruções.

Foi quando leu assim:

Faça de conta que o próximo ano tem apenas três meses.

Por isso, em vez de fazer mil e um planos e propósitos para um ano inteiro, defina apenas três objetivos para serem alcançados no próximo trimestre. Quando ele terminar, comporte-se como se dezembro fosse: faça o balanço, veja o que errou e acertou, defina novas metas e continue adiante.

Se obtiver êxito, ao final do ano, você terá cumprido 12 metas e não terá se perdido ao longo do caminho.

Ela arregalou os olhos como se tivesse descoberto a fórmula da juventude.

Resolveu aprimorar a técnica ali mesmo: escreveu suas doze metas, definiu quais seriam as três primeiras:

  • Chapar a barriga;
  • Dominar a língua portuguesa;
  • Aprender todos os taquigramas do método Oscar Leite Alves.

Pronto!

Achara a solução para os seus problemas.

Dessa vez não perderia o foco durante o ano.

Não chegaria ao final dos 12 meses atropelada e frustrada pelos planos abandonados.

Saiu dali já contando para a galera sua mais nova descoberta.

Passou a noite de natal conversando sobre seus planos com a família e, ao final da noite, já tinha montado um grupo de apoio no WhatsApp: “Ano de três meses”

Conseguira vender a ideia do “um ano em um trimestre” para quinze pessoas e cada uma delas anotou em um guardanapo seus três primeiros objetivos.

Iriam começar no dia 01.01.

Todos souberam dos três objetivos um do outro e, por afinidade, decidiram quem cuidaria de quem.

Todos os dias o “cuidado” apresentaria um relatório de desempenho para seu “cuidador”.

Assim, eles acreditavam, um daria força ao outro.

Marcaram de se reunir no dia 31.03 para o balanço e avaliação.

Prometeram voltar para nos contar o que aconteceu.

Vivi Antunes é ajuntadora de letrinhas e assim o faz às segundas, quartas e sextas no www.viviantunes.com.br

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