E o clima de treta continua no ar. Aliás, como não estaria se temos, aqui e acolá, nesta terra de desterrados, uns loucos que tem a petulância de macular, com uma e outra consideração fora do esquadro, o ídolo que muitos rendem culto, não é mesmo? Pois é. Mas o jogo é assim mesmo. Vida que segue.

Porém, antes de seguirmos, penso que seja de bom alvitre levantarmos algumas lebres sobre as tretas mil que fervilharam nas mentes e corações de muitos nos últimos dias. Dito isso, vem comigo.

Muitos seguidores e admiradores do Patrono da Educação deste nosso triste país bradaram aos quatro ventos os inúmeros títulos que foram auferidos ao referido como se, tal informação, fosse uma espécie de conhecimento esotérico revelado apenas a alguns iniciados e que, pessoas como esse que vos escrevinha, por sua incurável ignorância ignominiosa, não soubessem; quando, na verdade, tais informações são justamente as primeiras que nos são apresentadas numa pesquisa rápida feita no Google, o oráculo dos curiosos e distraídos. Mas tem gente, muita gente, que acha que apenas a sua turminha rubra sabe disso.

E tal reação figadal diante de uma crítica pontual ao patrono do caos educacional brasileiro reflete alguns pontos muito interessantes, pontos esses que, em várias ocasiões procurei descrever em minhas apedeutas escrevinhadas. Um desses pontos é o culto idolátrico que se rende aos diplomas e títulos, um culto tão antigo entre nós que muitos dos nossos grandes literatos procuraram apontar em suas obras. Figuras como Machado de Assis, Lima Barreto, Gustavo Corção, Graciliano Ramos, Monteiro Lobato, entre outros, escreveram páginas portentosas sobre o tema.

O segundo ponto que podemos extrair dessa reverência exagerada e rombuda é o uso do recurso à autoridade – argumentum ad verecundiam – como se esse tipo de argumento fosse a contestação cabal. Uma espécie de “cala boca”. Como diria o antropólogo Roberto da Matta, no Brasil, a frase mais vil e que melhor explica esse tipo de mentalidade tacanha, que impera entre nós, é: “você sabe com quem está falando”?  Neste caso em particular, seria: “como ousa criticar o patrono do fracasso que nos subiu à cabeça? Pelo visto você não sabe quem ele é, não é mesmo?”

E o pior é que li aquela biografia do Paulo Freire, escrita a várias mãos e que foi organizada por Moacir Gadotti, publicada pela editora Cortez em 1996 e, também, li o livro “Desconstruindo Paulo Freire”, organizado por Thomas Giuliano. Pois é. Deveria eu ter me restringindo as informações iniciais que são apresentadas a todos pelo Google. Que tolo que eu sou. Fazer o quê? Vivendo e aprendendo com os prosélitos.

E é claro que houve vozes que esbravejaram dizendo que as ideias do Paulinho nunca, nunca, nunca foram implantadas no Brasil e, ao mesmo tempo, houve outras que faziam questão de lembrar que suas obras e ideias são discutidas em todos os cantos da universo e bem como do multiverso. Bem, aí temos um problema do tamanho de um bonde. Das duas uma: ou suas ideias são inócuas e nunca influenciaram ninguém, mesmo tendo sido alçado à condição de patrono da educação brasileira, ou estão presentes nos corações e mentes de muitos que atuam junto ao sistema de ensino e na estrutura de Estado nos mais variados níveis.

Abre parêntese: numa formação continuada, chamei a atenção de uma burocrata estatal, devota confessa de Paulo Freire, para a grande dificuldade que muitíssimos alunos têm para compreender um texto simples. Após minha observação, ela me disse que não importa tanto como era a leitura e bem como a escrita do infante; o que importa, segundo ela, é que o pequeno tenha uma visão crítica da realidade. Isso mesmo que você acabou de ler: uma visão crítica da realidade. Nunca esqueci esse momento. Aliás, como esquecê-lo? Fecha parêntese.

Em minha última escrevinhada, O CENTENÁRIO DO PATRONO DO CAOS, havia dito que se você acha um absurdo ver boleiras e mais boleiras de alunos displicentes, que não movem uma palha para dedicar-se aos seus estudos, sendo aprovados ao final do ano, seria bom lembrar quem foi que ensinou gerações e mais gerações que reprovação é um ato de exclusão social, que reprovação é um retrocesso. É, meu amigo, essa ideia tem DNA.

É bom lembrarmos que Paulo Freire, quando ocupou a pasta da Secretário Municipal de Educação de São Paulo, durante o mandato de Luiza Erundina, implantou a tal da “progressão continuada”. Sim, eu sei, ele não inventou esse trem, porém, não apenas advogou em favor dele como o implantou nas escolas de São Paulo, entre outras coisinhas.

Não apenas isso: sua figura carismática contribuiu significativamente para que a reprovação enquanto instrumento pedagógico fosse demonizada. Enfim, mais uma demonstração cabal de minha total candidez sobre o tema.

E é claro que houve aqueles que, de forma pontual, nos lembraram de outra informação que nos é apresentada, de cara, após uma busca rápida no Google com o nome do patrono: a de que o seu método fora pensado para se trabalhar com a alfabetização de adultos, não com a alfabetização de crianças. Pois é. Quem não conhece a história da palavra “tijolo” e da sua relação com o tal método? Quem? Bem, dessa observação, penso que podemos destacar dois pontos.

Primeiro, a influência do senhor Freire na educação brasileira não se restringe ao método de alfabetização de adultos que leva o seu nome. Ela é muito maior. As implicações advindas das suas ideias e da sua personalidade sobre a educação brasileira são muito mais amplas. Aliás, na biografia organizada por Moacir Gadotti praticamente todos os colaboradores afirmam, enfaticamente, a importância política de sua obra. Thomas Giuliano também aponta para isso na obra organizada por ele.

Outra referência importante sobre isso é o volume IV da obra “História da Filosofia no Brasil”, de Jorge Jaime, onde o mesmo disserta sobre a filosofia do referido educador e sua influência sobre o pensamento educacional brasileiro.

O segundo ponto é que não são poucos os trabalhos que dissertam sobre a aplicação das ideias freirianas na educação, inclusive inúmeros estudos de caso. Estudos sobre a aplicação das suas ideias nos mais variados níveis, inclusive no ensino superior. Isso mesmo. No Ensino Superior. Vejam só como são as coisas. Por isso que eu frequentemente digo para a criançada, quando dizem que nunca isso ou aquilo acontecerá, que é importante lembrarmos que nunca é tempo demais, principalmente quando presumimos saber mais do que aqueles que julgamos nada saber. Que barbaridade.

Detalhe: antes de alguém afirmar que estou espalhando desinformação, ou algo que o valha, procure dar uma olhadinha nas publicações acadêmicas – artigos, dissertações e teses – sobre o tema para constatar isso que estou apontando.

Voltemos ao ponto do conto. Sim, mas é claro que não faltou aquela toada que afirma, sem pestanejar que, esse que vos escrevinha, jamais leu uma obra sequer do dito cujo e, se leu, foi no máximo o título de “Pedagogia do Oprimido”. Bah! Um típico argumento “ad hominem” em misto com um “non causae ut causae”. Com almas distraídas tal artifício pode até colar, mas com labregos como eu, não. Não mesmo.

Como todos sabem, é impossível passar por uma licenciatura sem ouvir falar um monte de loas ditas a respeito do patrono do caos. No mínimo, o postulante terá de ler uma e outra fotocópia de um e outro capítulo de um livro do supra referido senhor e, esse irrelevante escrevinhador, naturalmente, não tinha como escapar. A primeira obra dele que li foi “Pedagogia da Autonomia”. Isso foi no ano de 1997. Li outras mais, sim senhor, mas não vou ficar citando-as aqui porque tornaria esse parágrafo um porre.

É claro que, na época, achei fofo tudo o que li, mas, conforme os anos foram passando e minhas referências foram se multiplicando, via que aquele ídolo da minha mocidade não mais se sustentava e, como outros mais, foram sendo banidos do altar de minha consciência e abandonados pelo caminho.

Além das novas referências, em 1998 entrei para a docência e, tal experiência, fez-me ver um universo que não era contemplado pelas páginas do educador mor da nação. Fazer o quê? Talvez isso se deva realmente às limitações que me são impostas pelo fato de eu ser um ignorante, suposto negacionista, reacionário e todos os “istas” mais que caibam numa caixa de ressonância criticamente crítica para serem atirados contra minha pessoa.

Ah! Quando deitamos nossas vidas, da primeira à última página do livro “Pedagogia do Oprimido”, vemos uma profunda preocupação com a revolução marxista, com a “tomada de consciência” e como o educador pode contribuir para tal empreitada. Talvez, por essa razão, Che Guevara é tantas vezes citado nessa obra. Boleiras de vezes. Bem, penso que não é aderindo a uma corrente ideológica de verve totalitária como o marxismo que iremos socorrer aqueles que clamam por socorro e, muito menos, libertar alguém.

Doravante, é claro que os ecos estridentes daqueles que fazem da desventura alheia a plataforma de sua carreira não deixaram de atirar o seu dardo retórico, indagando aqui e acolá, como ficariam os desvalidos da terra sem a luz de Paulo Freire. Essa é uma pergunta pra lá de interessante, diga-se de passagem. Tão interessante que é melhor não responde-la.

Abre parêntese: De mais a mais, penso que toda vez que indagamos o que poderíamos fazer pelo Brasil, ou pela humanidade, por meio da aplicação de uma panaceia tremendamente duvidosa, deixamos de nos perguntar sobre o que deveríamos fazer pelos nossos filhos e alunos, que estão bem diante de nossas vistas. Quando procedemos desse modo, invertendo vilmente a ordem das prioridades, nos eximimos de realizar algo concreto escondendo-nos atrás de uma inalcançável causa de suposta nobreza. Fecha parêntese.

Não existe conquista do saber sem um mínimo substancial de esforço, sem um cadinho de sacrifício tal conquista torna-se uma quimera. Não. Não uma quimera, uma farsa.

Aliás os números brasileiros aí estão para nossa preocupação e, como todos nós bem sabemos, fracasso não é obra de improviso e um dos pontos que, penso eu, deveria ser urgentemente revisto é justamente a pecha pejorativa que é projetada sobre a reprovação. Aliás, esse é o ponto central de minha última missiva e que, em outras escrevinhadas, procurei chamar a atenção. A diferença é que nesta em particular, num momento sensivelmente tretístico, lembrei que os devotos do patrono, junto com ele, tem uma baita responsabilidade nesse tocante que, no meu entender, é uma premissa tremendamente equivocada que acaba nos levando a uma montoeira de outros equívocos que desde os anos 90 vem degringolando o sistema educacional.

Abre outro parêntese: Thomas Sowell, um grande intelectual negro americano, lembra-nos que em sua infância humilde, desprovida de toda ordem de recursos, frequentava uma escola onde a professora mantinha eles na linha e procurava ser tremendamente exigente com os alunos. Ele nos diz, com bom humor, que ela adotava o método do General Patton. Obviamente que o garoto Sowell não gostava muito daquilo, porém, o fato da professora ser tremendamente exigente com ele, e com seus colegas que, como ele, não possuía grandes recursos, permitiu que eles adquirissem muitas habilidades e ferramentas intelectuais que, na mocidade e bem como na vida adulta, fez toda a diferença para cada um deles. Por isso, do alto de minha ignorância afrontosa, recomendo a leitura do livro “Thomas Sowell e a aniquilação de falácias ideológicas” para entendermos o que essa conversa freiriana de “marcha dos reprovados” fez com a educação brasileira. Fecha parêntese.

E é claro que o nome do professor Olavo de Carvalho foi lembrado. Autor o qual recomendo a leitura de todas as oitenta e tantas obras dele que li, juntamente com as suas apostilas e transcrições de suas aulas. Mas não é o caso. Sei que há uma grande repulsa da parte de muitos à sua pessoa, repulsa essa que acaba por obliterar a leitura dos seus trabalhos. Repulsa que, sem querer querendo, sinaliza uma destemperança emocional e uma certa imaturidade intelectual. Aliás, ficar com nojinho diante de um livro é algo, no mínimo, estranho, não é mesmo?

Abre mais um parêntese: uma pessoa que associa um autor com outro que, de forma confessa, afirma que nunca os leu e nunca os lerá, estaria, por acaso, assinando um atestado de desonestidade intelectual? Estaria? Fechemos mais esse parêntese e sigamos em frente que o trem é doido.

Tendo isso em vista, há outros autores, que escreveram sobre a tal da ensinação, que recomendo vivamente e, por sua deixa, podem trazer alguma luz para esse sombrio fosso em que se encontra a educação brasileira.

No caso seriam (putz! Esse será um daqueles parágrafos medonhos): “A educação da Vontade” de Julian Payot; “A educação do Caráter” do Pe. Gillet; “A arte de ler”, “Como falar, como ouvir”, “Como ler um livro” e “A proposta Paidéia” de Mortimer J. Adler; “Catecismo da educação” do Abade René Bethléem; “Didascálicon” de Hugo de São Vitor; “Dez maneiras de destruir a imaginação do seu filho” de Anthony Esolen; “Sociedade sem Escolas” de Ivan Illich; “Como educar sua mente” de Susan Wise Bauer, “Os charlatães da nova pedagogia” de Lucien Morin; “Maquiavel Pedagogo”, de Pascal Bernardin; “A Arte de Ensinar”, de Gilbert Highet, entre outros.

Por fim, é claro que os insultos contra minha pessoa não faltaram. Graças ao bom Deus. Esses sempre são bem-vindos e seus autores sempre são colocados em minhas orações, conforme nos ensina Nosso Senhor Jesus Cristo. E não adianta reinar. Irei, sim, rezar por você, meu caríssimo hater.

Além do mais, tais afrontas revelam os traços de uma reação típica de membros daquilo que Eric Voegelin chamava de religiões políticas. Seitas essas que tem o seu próprio panteão de [falsos] profetas e de [pseudo] santos. Ou seja: sem querer querendo acabei, aos olhos dos prosélitos desta, cometendo uma baita de uma heresia.

Ao dizer isso tudo, não estou afirmando que não devemos mais deitar nossas vistas nas sofríveis páginas escritas por Paulo Freire. Nada disso. Como havia dito na escrevinhada PRUMO TORTO, CAMINHO TURVO, penso que temos que rever os pressupostos que estão levando a educação brasileira para um naufrágio total; os pressupostos que legitimam a corrosão da autoridade professoral e que desgastam as regras para a edificação dum ambiente que realmente propicie o encontro entre aqueles que querem ensinar com aqueles que desejam aprender. Que todo aluno, sim, traz consigo alguns saberes, mas que, por definição, tem muito que aprender; e que reprovação não é um ato de exclusão social, mas apenas uma admoestação para chamar a atenção do infante que está se desviando do rumo.

Por fim, não nos esqueçamos, mesmo que o queiramos, que levantar críticas às obras de um autor, e bem como aos frutos de suas ideias, não apenas é um direito de todos aqueles que desejam fazê-las, mas é a base da liberdade de pensamento e o fundamento de toda atividade intelectual que, é claro, não esteja maculada pelo servilismo ideológico.

Não existe dignidade intelectual onde não há liberdade de pensamento. Sei que isso é uma obviedade ululante, mas, ao que parece, essa é mais uma daquelas obviedades que precisam ser lembradas, principalmente quando o clima tretístico insiste em dizer o contrário.

Escrevinhado por Dartagnan da Silva Zanela

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