Por Dartagnan da Silva Zanela

“Hoje em dia o maior destruidor da paz é o aborto.” (Santa Madre Teresa de Calcutá)

QUAL É A EXPLICAÇÃO, QUAL é a justificativa que um douto togado, ou um “especialista” diplomado qualquer, pode apresentar para negar o direito à vida para um inocente que cometeu o hediondo, o terrível crime de ter nascido com uma enfermidade? Qual? Que o infante deve ser morto, à míngua, para atender “o melhor interesse da criança”. Isso mesmo.

Para atender o melhor interesse do pequenino. Isso foi alegado por doutos togados ingleses para justificar o desligamento dos aparelhos do garotinho Alfie Evans. Não apenas isso. Foi-lhe negado a possibilidade de transferência de hospital – de um hospital inglês para um Italiano, onde receberia a atenção médica que estava sendo-lhe negada. Mas lembrem-se: isso não foi um assassinato. Não foi infanticídio. Tudo isso foi feito tendo em vista o “melhor interesse da criança”.

Quem ouve essa gente falando essas palavras doces, com aquele enjoativo tom untuoso, tem a impressão de que eles estão realizando uma prática profundamente humanitária, libertando uma alma sofredora dum corpo atormentado. Pois é. O amigo leitor talvez não saiba, mas, essa era a justificativa que os Nacional-Socialistas apresentavam para o extermínio de pessoas portadoras de deficiências. De pessoas com necessidades especiais.

Que coisa hein? Por baixo de todas essas firulas judiciais, o que se está apresentando, gradativamente, é uma nova tendência que poderá ser adotada em todo mundo. Uma forma sorrateira e cínica de legitimar o infanticídio. Não me espantará se, dentro em pouco, começarmos a ler e a ver membros da camarilha intelectual tupiniquim defendendo isso como se tal procedimento fosse um progresso do direito, como se fosse um novíssimo “direito reprodutivo”. Absurdo ululante de minha parte?

Ora, então vejamos: você imaginava que um dia o direito à vida seria tão cínica e friamente negado a um ser humano como foi negado no caso do garoto Alfie Evans? Imaginava? Pois é. Mas algo me dizia que, cedo ou tarde, isso iria ocorrer. A sanha pela legalização do aborto já é, em si, uma forma nada sutil de relativizar o direito à vida; relativização essa cuja consequência lógica, praticamente inevitável, é a possibilidade do infanticídio (que, diga-se de passagem, é praticado em algumas tribos indígenas em nosso país, como todos sabem).

Sim, o assassinato silente de inocentes no ventre materno, sem direito a defesa ou recurso, já é considerado por seus apologistas como sendo um tipo de direito fundamental. Ou seja: o direito à vida dum indivíduo é relativizado para que a vontade doutros possa ser realizada e, desse modo, o Estado possa ser o senhor absoluto e total da vida e da morte. Em favor disso, há quem diga que a vida não inicia na fecundação, que não dá para afirmar categoricamente que um feto seja um ser humano.

Inclusive existe quem defenda isso citando Santo Agostinho e São Tomás de Aquino, sem indicar claramente onde os santos doutores supostamente apresentaram tais argumentos favoráveis à cultura da morte (e olha que conheço razoavelmente bem a obra de ambos e nunca encontrei tais absurdidades). Independente disso, podemos levantar dois pontos sobre esse conto mal contado. Um: quando um óvulo é fecundado nós já temos um ser humano, pleno, em potência. Isso mesmo. Da fecundação humana o único resultado possível é um ser humano, jamais um minotauro ou um rinoceronte. Ah! Mas o Ministro Barroso afirma que o ser humano apenas é humano se tiver atividade cerebral, porém, ouso afirmar que o humano é bem mais complexo do que a capacidade cerebrina do ilustre ministro seria capaz de abarcar. Bem mais.

Dois: vamos supor, apenas supor, que nós não tenhamos como afirmar categoricamente que o feto seja um ser humano. Que concordemos que a discussão fique meio a meio. Bem, mesmo assim, não poderíamos executá-lo, pois há 50% de chance de estarmos cometendo um assassinato. Doravante, alguns podem dizer que o corpo é da mãe e que ela é quem dita as regras. Sim. Todos já ouvimos isso. Até as revistinhas da Turma da Mônica trazem esse dito. Todavia, o feto não é corpo da mãe. Ele apenas está no corpo da mãe. Há uma grande diferença em ser parte de algo e estar em algo. Sim, mas tem gente que não entende isso nem desenhando, não é mesmo? Outros podem dizer que se um pequenino, que possa nascer com alguma deficiência, ou que seus genitores não possam dar-lhe tudo o que ele precise, ou que tenha qualquer forma de impedimento que possa tornar sua vida muito difícil, assassiná-lo no ventre materno seria uma forma humana de evitar seus possíveis problemas.

Abortá-lo seria uma forma de evitar sofrimentos desnecessários. Infelizmente, já ouvi muitas vezes esse blábláblá sinistro. Bem, diante de tão sebosa justificativa, poderíamos apontar inúmeras considerações, porém, iremos nos restringir a apenas duas. Primeira: toda pessoa que defende esse tipo de monstruosidade esquece-se que o sofrimento não é algo acessório à vida humana que, casualmente, passa a fazer parte dela. Pelo contrário. O sofrimento, gostemos ou não disso, é um traço característico da vida nos graus mais variados.

A dor faz parte da vida e, necessariamente, ela é parte integrante do amor, como nos ensina Santa Madre Teresa de Calcutá e São João da Cruz. Porém, todavia e entretanto, como a mentalidade dos esclarecidos do mundo contemporâneo é tomada por um hedonismo rasteiro, eles se veem impedidos de compreender essa obviedade flagrante por não mais saberem o que é viver e muito menos o que significa amar. Para e pense: quem nunca sofreu na vida? Quem nunca foi causa ou motivo do sofrimento de terceiros? Quem nunca fez as pessoas que ama chorar? Pois é. Mas, cá estamos, vivos e corados, vivendo nossas vidas, faceiros, com seus trancos, barrancos e entreveros e também com inumeráveis contentamentos, alegrando outros e fazendo muitíssimas pessoas que amamos, uma vez ou outra, sorrirem. Mas, do ponto de vista de alguns, certas pessoas devem ser “poupadas” disso tudo. A própria Margaret Sanger, fundadora da Planned Parenthood (a maior rede de clínicas de aborto dos EUA) era a sexta de onze filhos de uma família operária de origem irlandesa. Com certeza a sua infância não foi das mais fáceis, mas, mesmo assim, ela viveu e cresceu para defender que outras crianças não possam viver o que ela viveu. Já pensou se os pais dela pensassem como ela?

Pois é, melhor não pensar nisso não senão, bem provavelmente, aparecerá um caipora politicamente correto pra nos acusar de discurso de ódio. E tem outra coisa: todas as pessoas que defendem essa tranqueira – feliz ou infelizmente, não sei dizer – não puderam usufruir do direito fundamental que elas advogam para terceiros e, bem provavelmente, nunca procuraram reivindicar o seu usufruto retroativo dele, não é mesmo? Fazer o quê? Coisas do bom mocismo hipócrita nosso de cada dia, onde aborto nos olhos dos outros é direito, no deles, é odiosa agressão.

Segundo ponto: no caso específico dos portadores de deficiência. Tal prática nada mais é do que um genocídio puro e simples. Genocídio disfarçado com mil e um malabarismos jurídicos, retóricos e filosóficos, mas, ainda assim, um genocídio que já é oficialmente praticado em países como a Islândia onde 100% dos bebês que são diagnosticados como portadores da síndrome de down são executados no ventre da mãe. Mas lembre-se, sempre, que tudo isso é feito em nome do “maior interesse da criança”.

Sempre. Tal monstruosidade já foi e é combatida por muitos, mas, nada foi tão contundente quanto o discurso proferido no Senado Americano pelo escritor Frank Stephens, portador da referida síndrome, onde o mesmo deu o devido nome aos bois. Stephens lembrou, em sua preleção, que aborto, antecipação terapêutica do parto, são eufemismos para “solução final” aplicada contra pessoas como ele. Aliás, ele, em sua fala, nos lembra do óbvio ululante: “eu não precisaria justificar a minha existência”. É. Ninguém deveria ter que justificar a sua existência.

Ninguém. Porém, há inúmeras almas sebosas que acreditam que, em nome dum suposto e sinistro bem maior, podem dizer quem merece ou não ter direito à vida. Por isso, lembremos e jamais esqueçamos: todas as grandes tragédias perpetradas na modernidade foram realizadas em nome de supostos ideias e utopias. Todas. Hitler, Stalin, Mao, Pol Pot, Che Guevara e tutti quanti acreditavam que estavam construindo um mundo melhor e vejam só com que pútridos frutos eles brindaram a humanidade. Aliás, Margaret Sanger, a fundadora da maior rede de abortos dos EUA, defendia absurdidades como a eugenia, a restrição aos casamentos, esterilização, a eliminação de determinados grupos de indivíduos portadores de genes e características, segundo ela, “indesejáveis”, a fim de, é claro, “melhorar o ser humano”. Pois é.

Por essas e outras que tenho pavor de qualquer um que pretenda melhorar o ser humano. Sim, é claro que haverá aqueles que irão dizer, com todo aquele lindo e fofo ódio do bem, que eu escrevinho essas coisas porque sou homem, branco, heterossexual, católico e blábláblá. Não. Nada disso. Escrevinho isso porque estou vivo e não quero negar esse direito a ninguém. Só por isso. Parêntese: uma coisa que me parece extremamente esquisita é que as mesmas pessoas que advogam em favor da execução dum infante são justamente as pessoas que se colocam contra o uso duma palmada como ULTIMA RATIO na educação duma criança. No entendimento dessas alminhas, um tapinha na bunda é algo brutal, mas matar um bebê não.

Essas mesmas alminhas, também, colocam-se furiosamente contra a pena de morte para assassinos notórios, mas defendem o assassinato de alguém que, literalmente, não fez mal a ninguém. Estranho, não é mesmo? Fecha parêntese. E tem outra: uma coisa que aqueles que são favoráveis ao homicídio de inocentes no ventre materno nunca falam são os inúmeros problemas e doenças que podem ser ocasionados por um aborto, que vão desde o câncer de mama, passando por problemas uterinos, psicológicos e, em alguns casos, chegando ao suicídio (mulheres que abortam são seis vezes mais propensas a atentar contra a própria vida). Mas, é claro que tudo isso é ignorado tendo em vista o “melhor interesse da criança e da mulher”.

Por essas e outras que Santa Madre Teresa de Calcutá dizia que “um país que aceita o aborto não está a ensinar os seus cidadãos a amar, mas a usar a violência para obterem o que querem. É por isso que o maior destruidor do amor e da paz é o aborto. Um país que permite o aborto é um país muito pobre, porque tem medo de uma criança, e o medo é sempre uma grande pobreza.” Pra terminar, lembro-me aqui duma história que a muito me foi contada.

Um rapaz, junto com sua namorada, havia praticado um aborto na juventude e, num determinado momento da maturidade, com o coração apertado, esse me disse que toda vez que via um rapaz andando pelas ruas, dizia para si, no silêncio de sua alma: meu filho poderia estar com a idade desse moço, com a desenvoltura dele. Poderia ter tido e dado todos os problemas que esse moço possivelmente viveu ou causou, poderia ter vivido e proporcionado todas as alegrias que esse rapaz provavelmente viveu e deu para sua mãe e para seu pai. Pois é. Poderia. Poderia, mas, agora, o que resta é apenas um grande silêncio… É isso. Hora do café.

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