Confusão. Praticamente todos os homens modernos têm o seu coração imerso em confusão, tendo em vista que temos, por nossa própria constituição, uma grande desordem interior e, por inúmeras razões, procura-se, atualmente, ignorar soberbamente esse traço característico da nossa alma.

Das confusões que alimentamos, há uma que tem um lugar de destaque, que é o deus-nos-acuda que se edifica em torno da palavra liberdade.

Como todos nós estamos carecas de saber, mas não custa repetir, toda palavra que passa a ser utilizada de forma desenfreada pelas elites falantes, bem como pela galera da geral, acaba tendo o seu sentido originário mutilado, correndo o risco de chegar ao ponto de significar algo diametralmente oposto a ele. Bem, esse é o caso dessa tal liberdade.

Atualmente, tornou-se trivial ouvirmos um e outro dizer que ele, enquanto pessoa, é aquilo que ele quiser ser; que ele é o que ele sente ser no seu íntimo, que não deve nada a ninguém e que ninguém irá lhe impor nada que contrarie aquilo que ele considera a essência do seu ser, porque, “sacumé”, ele é livre para fazer o que lhe der na telha.

Sem querer querendo, cônscio ou não disso, todo indivíduo que repete essa cantilena para si e para os demais, está dando eco para a lei de Thelema, de Aleister Crowley, “fazes o que tu queres, há de ser o todo da Lei”, porque, segundo o próprio Crowley, o grande objetivo de nossas vidas, o sentido último de nossa existência, seria a procura pela auto realização através do nosso próprio esforço, sem o auxílio da Graça divina.

Mas isso não é liberdade, de jeito maneira, como bem nos ensina o filósofo brasileiro Mário Ferreira dos Santos. Não mesmo.

Segundo sua obra “Curso de integração pessoal”, no mundo contemporâneo se confunde por demais livre-arbítrio com liberdade e, esse tipo de confusão, tem levado muitíssimas pessoas à perdição e mergulhando a sociedade num oceano de insensatez.

Sim, todos nós podemos escolher ser e fazer o que nos der na ventana, mas o nome que se dá a isso não é liberdade, é livre-arbítrio; que, por sua deixa, é a base da faculdade da vontade, que é um traço distintivo do ser humano em relação a todas as demais criaturas.

Por um ato de vontade, calcado em nosso livre-arbítrio, podemos escolher elementos que poderão nos tornar livres, ou que poderão nos escravizar. Podemos nos esforçar para tentar realizar a vontade de Deus, que nos liberta, ou podemos optar pela realização soberba de nossos desejos e caprichos, dos projetos ilusórios do mundo, das ideologias vaidosas e, todos estes, cada um ao seu modo, nos embrutecem sem a menor cerimônia e, ao final, nos escravizam.

E vejam como na sociedade contemporânea a escravidão das consciências e o embrutecimento do coração humano é cantado como se fosse o exercício pleno da liberdade.

Vivemos numa época tão ensandecida que os vícios, de toda ordem, são tratados por muitos como sendo apenas um estilo de vida e que, entregar-se a eles, seria um símbolo de libertação. Já uma vida virtuosa, aos olhos modernosos, seria tão somente um sinal de recalque e escravidão, um subproduto reacionário de uma era de trevas.

Esquecemo-nos que ser livre é ser vigilante. Vigiar nossas fraquezas que, feliz ou infelizmente, não são poucas. Desaprendemos que não se nasce livre, mas sim, que se conquista a liberdade com muito esforço e com o auxílio da Graça. Ignoramos que nossa alma tem inúmeros inimigos e que, muitas vezes, nós somos ao mais temível adversário de nós mesmos; inimizade essa que brota de nosso desmedido amor próprio que, muitas vezes, toma o lugar do amor à verdade que, em última instância, nada mais seria que o amor a Deus.

É. Adote como regra para sua vida a lei de Thelema, faça o que te der na sua ventana, guiando-se pelas ideologias que se apresentam para tomar o lugar da verdade, afagando seus desejos caprichosos como se fossem direitos sacrossantos, como é ditado por boa parte da cultura contemporânea e, ao final, verá o que será a tal liberdade prometida por essa nossa decadente sociedade. Quer dizer, já estamos vendo não é mesmo? Só não vê isso quem está entregue de corpo e alma a esse melancólico embalo sorumbático.

Escrevinhado por Dartagnan da Silva Zanela

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