Embora não tenhamos como voltar atrás, regressar aos dias que se foram, o passado guarda bem guardadinho incontáveis lições que, de algum modo, podem nos servir de guia em nossa marcha em meio às brumas do presente em que vivemos, como nos ensina o historiador Johann Huizinga, em seu livro “Nas Sombras do Amanhã”.

Afinal, como o mesmo nos lembra e, por nos lembrar, nos ensina, a história das crises de antanho não apenas nos informa sobre como foi o início das crises passadas, e a respeito do desenrolar das mesmas, mas também nos aponta para o desfecho de cada uma delas e, principalmente, nos convida a refletir sobre as inúmeras possibilidades de desenlace que poderiam ter se efetivado, mas que não ocorreram.

Tendo isso em mente, convido o amigo leitor para um passeio despretensioso por alguns dos muitos caminhos esguios e truncados da história. Vem comigo, mas sem essa folia que ficar pegando na mão um do outro não. Essa história já deu pra tampa.

O amigo leitor bem provavelmente já deve ter ouvido falar de um senhor chamado Alfredo Buzaid. Não? Bem, esse figurão um dia foi Ministro da Justiça durante o governo do general Emílio Garrastazu Médici e, mais tarde, tornou-se Ministro do Supremo Tribunal Federal. Ele foi indicado pelo então presidente João Batista Figueiredo.

Ah! E não nos esqueçamos que seu Alfredinho, esse ilustre desconhecido de nossos dias, em 1973, ingressou todo pimpão para na Academia Brasileira de Letras. Ele também era um artífice da palavra. Ou seja, na época ele era alguém com alguma importância na fila do pão.

Enquanto um dos Supremos de ontem, ele era um homem que tinha profundas preocupações com a ordem pública e com a moralidade da mesma, não medindo esforços para poder proteger a população contra a malícia que poderia açodar a alma do pacato cidadão brasileiro; preocupação essa que, de certa forma, é muito parecida com a que é manifesta por alguns Supremos de hoje.

Buzaid, próximo ao fechar das cortinas no ano de 1968, foi um dos figurões que arquitetou o famigerado AI-5. O dito cujo do Ato Institucional número cinco. Não apenas isso. Ele foi um dos seus principais defensores e, inclusive, o referido Ato Institucional teria sido ainda mais amargo se ele tivesse sido publicado do jeitão que fora defendido pelo senhor doutor, conforme nos lembra Zuenir Ventura, em seu livro “1968 – O ano que não terminou”. [Zuenir. Que nome]

E vejam só como são as coisas: o Supremo Tribunal Federal, o tal do guardião da Lei das Leis, historicamente nem sempre cumpriu com esmero as suas atribuições de sentinela da Constituição, conforme lemos no livro “A História das Constituições Brasileiras”, do historiador Marco Antônio Villa.

Obviamente que, na época, os intelectuais, formadores de opinião e demais personas desse naipe, manifestaram-se contra a censura que estava sendo imposta em nome da defesa da moral, dos bons costumes e de outras coisinhas, conforme nos aponta Douglas Attila Marcelino, em sua obra “Salvando a pátria da pornografia e da subversão: a censura de livros e diversões públicas nos anos 1970”. Manifestaram-se, mas não teve muita serventia.

É. A censura sempre é realizada em nome de algo elevado. Ontem era em nome da moral e dos bons costumes; hoje é para supostamente defender a sociedade contra imaginárias fake news e para evitar hipotéticos atos antidemocráticos.

A noção de “moral” e de “bons costumes”, enquanto ferramenta de intimidação, são abstrações tão imensuráveis e inconstantes quanto noções oníricas como atos antidemocráticos e fake news. Por isso, não é exagero dizer que qualquer que seja o denominador que venha a ser utilizado por um censor, digo, por um guardião das instituições, inevitavelmente este acabará sendo o denominador mais baixo e rasteiro possível e pensável. Não tem essa de mamãe a barriga me dói.

De mais a mais, um censor nunca, nunquinha, se apresenta como um cerceador da liberdade de expressão. Não. Ele sempre posa como sendo o defensor das consciências fragilizadas. Por isso, vale lembrar que quando o Partido Nacional-Socialista dos Trabalhadores da Alemanha subiu ao poder, Joseph Goebbels não assumiu o Ministério da Censura, ou o Ministério da Manipulação da Opinião Pública, mas sim, o Ministério do Esclarecimento Popular e da Propaganda. Bah! Ministério do Esclarecimento Popular. Que coisa capirótica, hein?

Divaguei. Perdoe-me. Dito isso, voltemos ao ponto: naqueles idos, o referido senhor, na condição de Ministro da Justiça, diante das manifestações indignadas de inúmeros escritores, havia declarado que “os escritores que se prezam não precisavam temer a censura, pois a sua obra é sã”.

Abre parêntese: escritores que se prezam; que raios ele quis dizer com isso? Será que ele estaria querendo dizer que quem não deve não teme? Não sei e, também, não estou nem um pouco afim de saber. Fecha parêntese.

Na época, Jorge Amado e Érico Veríssimo confabulavam algumas ideias através de cartas – correspondência essa que vinha sendo cultivada desde longa data – e, na ocasião, a pauta das missivas era a famigerada censura que estava sendo enfiada goela à baixo de todos os artífices da palavra.

Numa das cartas, o autor de “Navegação de Cabotagem” disse ao autor de “Um certo Capitão Rodrigo” o seguinte: “o decreto que estabelece a censura prévia para livros e publicações é simplesmente monstruoso. Profundamente lesivo à cultura nacional, ele coloca o ato de criação literária sob a batuta da polícia. Chega a ser incrível de tão agressivo à vida intelectual. Não creio que exista um só escritor que não proteste contra o tal decreto. Quem ficar calado não merece o título de escritor”.

Pois é. Imagino que muitos na época acharam a censura linda e, inclusive, nas sombras de suas alcovas, bateram palmas para o silêncio nada obsequioso que seria imposto a inúmeras vozes.

Hoje, diante de inúmeras arbitrariedades, que vão ocorrendo aqui e acolá, ao arrepio da lei, vemos inúmeras figuras, inclusive intelectuais e formadores de opinião, profissionais da palavra, batendo palmas para a perseguição que vem sendo perpetrada a inúmeras pessoas que tão somente discordaram com consenso fabricado pela velha mídia, por muitos intelectuais marxistas e pela elite política esquerdista que anda de mãos dadas com a “vanguarda” fisiológica do atraso.

Alfredo Buzaid não mais está entre nós, da mesma forma que muitos outros que, como ele, em seu tempo, achavam lindo ver os outros serem obrigados a usar uma mordaça; porém, todavia e, entretanto, outros similares vivem entre nós, alguns, inclusive, investidos de poderes e tendo em suas mãos uma linguagem atualizada, com um ferramental conceitual muito mais sofisticado e eficiente para calar qualquer um que eles considerarem uma ameaça.

Enfim, a história da voltas e mais voltas e, frequentemente, acaba sempre caindo na mesma carniça, mesmo que seja de um jeito um pouquinho diferente.

Escrevinhado por Dartagnan da Silva Zanela

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