A história é uma cachorrona mesmo. Não. Nós é que muitas vezes nos portamos feito cães babões diante de tão majestosa matrona e, de tanto babarmos na coleira, ficamos desleixados e acabamos por não prestar a devida atenção nas incontáveis lições que ela sempre está disposta a nos ministrar.

Todos nós, bem provavelmente, lembramos muito bem do tal Tribunal Revolucionário, ou Tribunal Popular, que foi instituído pela Convenção Nacional no correr da Revolução Francesa para julgar os chamados “políticos infratores” que ousavam realizar os tais crimes “contrarrevolucionários”.

Mais ou menos um aninho depois, a Convenção Nacional Francesa criou a chamada “Lei dos Suspeitos”. É isso aí que você acabou de ler: “Lei dos Suspeitos”. Era esse mesmo o nome da bicha velha. E é a partir dela que temos o início da famigerada Ditadura do Terror.

A “Lei dos Suspeitos” acabou por enfraquecer de forma significativa as liberdades individuais e, sem querer querendo, fomentou a paranoia revolucionária que fez os paralelepípedos das ruas francesas verterem sangue e os vitrais das catedrais góticas derramarem mananciais sem fim lágrimas.

Com base na letra dessa infame lei, os defensores da revolução passaram a prender todos aqueles que fossem inimigos declarados da revolução, ou suspeitos de o serem. Não tinha lesco-lesco. Era um Deus nos acuda e, nessa insânia supostamente redentora, não foram poucas as vidas ceifadas, afinal, para as alminhas limpinhas, perante o altar dos sacrifícios revolucionários, toda carnificina é mais do que justificável.

Passou-se um tempinho e, na Rússia, mais uma vez tivemos presente o terrível crime de “atividades contrarrevolucionárias”, também chamadas de “antissoviéticas”, que, em resumidas contas, nada mais era que toda e qualquer lide em que um cidadão soviético estivesse supostamente envolvido e que fosse encarado como ofensivo para as instituições do Estado Soviético, logo, um perigo para o todo poderoso Partido Comunista.

Tais atividades eram enquadradas através do artigo 58 do Código Penal da URSS, artigo o qual introduziu a noção de “inimigos do povo”. Além disso, o mesmo artigo também trouxe outras novidades jurídicas como a noção de “traidores” e “sabotadores”.

A consequência de tais noções foi a prisão de boleiras de pessoas, inclusive, é claro, de incontáveis inocentes. Mas tudo vale a pena para que a revolução e sua carnificina não sejam pequenas, não é mesmo? Pois é.

Mudando de saco pra mala, ou não, bem provavelmente o amigo leitor já deve ter lido o livro “Inquérito do fim do mundo” ou, pelo menos, já deve ter ouvido falar algo a respeito do mesmo. Nesta obra, organizada por Cláudia R. de Morais Piovezan, os autores discutem de forma muito profícua e atenta os problemas graves que estão sendo gestados pela juristocracia, que está mostrando suas garras em nosso triste país através dos inúmeros abusos que vêm sendo cometidos pelos Supremos, em nome do combate aos assim chamados “atos antidemocráticos” que, de modo similar à ditadura do Terror da Revolução Francesa, e ao regime totalitário soviético, utiliza-se de concepções tão vagas quanto gelatinosas para perpetrar ações que efetivamente limitam as liberdades individuais e ameaçam de forma significativa justamente os bens que pretensamente dizem estar protegendo com suas ações ilegais e inconstitucionais.

Mas é claro que, para muitos, apontar para essa obviedade ululante parecerá apenas uma observação delirante, tendo em vista que, para tais indivíduos, as palavras teriam apenas um valor em si mesmas e, por isso, ignoram qualquer relação que possa existir ou não com a realidade a qual elas supostamente apontam.

Desse modo, palavras como “democracia”, “cidadania” e “Instituições democráticas” seriam apenas termos que evocam bons sentimentos e elevadas energias astrais e, expressões como “atos antidemocráticos”, “Fake News”, “milícias digitais” e tutti quanti, seriam similares a conjurações mefistofélicas e, isso ocorre, porque quando as palavras não mais ligam nossa limitada capacidade de entendimento com a vastidão da realidade, elas reduzem-se meros instrumentos de manipulação dos nossos sentimentos em relação a tudo e, por isso, acabam não mais nos servindo como ferramentas para nos auxiliar na compreensão de algumas facetas da realidade que nos circunda.

Não é à toa que o escritor Georges Simenon dizia que um dos maiores problemas humanos é o problema da comunicação. O intrigava muito pensar o quão real era a comunicação entre duas pessoas, tendo em vista a pouca substancialidade que há nas palavras que muitas vezes utilizamos para designar as realidades que estamos tentando apontar para o outro.

Bem provavelmente muitas pessoas apenas repetem as expressões “atos antidemocráticos”, “discurso de ódio” e outras “coisaradas” similares, sem parar por um instante sequer para refletir o que tais expressões, de fato, designam. Porém, aqueles que as usam como arma política sabem muito bem – ou, ao menos, imaginam saber – o que estão fazendo, da mesma forma que Robespierre sabia claramente o que fazia com o termo “contrarrevolucionário”.

E com essa inabilidade adquirida e devidamente reconhecida por instâncias superiores, ou com essa aptidão aprendida e maliciosamente exercida por caminhos que nos causam toda ordem de repulsa e horror, vemos o imperialismo chinês atuando livre, leve e solto entre nós.

Aliás, abre parêntese: como bem nos lembra o escritor Flávio Gordon, “neste momento, é praticamente certo que a ditadura chinesa exerce forte influência no Parlamento e no Judiciário brasileiros – para não falar no controle de boa parte da imprensa -, e que planeja interferir no pleito do ano que vem tendo em vista os seus interesses geopolíticos estratégicos. É triste constatar que não há nenhuma instituição no Brasil disposta a impedir nosso destino de mera colônia chinesa”. Ops.! Será que aventar isso seria um “ato antidemocrático”? Fecha Parêntese.

Talvez, por essa razão, que o embaixador se regozijou tanto com a prisão de Roberto Jefferson por cometer supostos “atos antidemocráticos” e por ser suspeito de fazer parte de uma “organização criminosa digital”.

Seja como for, “crimes antirrevolucionários”, ou “antissoviéticos”, ou “atos antidemocráticos”, a finalidade por trás de tais expressões é uma só e não é bonita não. Nunca foi e nunca será.

E, por essas e outras, que a história é uma cachorrona mesmo. Uma senhora cachorra. E, sim, nós somos realmente cães manhosos que, diante de tão majestosa matrona, ao invés de fazermos as perguntas certas ficamos a babar em nossas coleiras; coleiras essas que vem com selo de qualidade do Foro de São Paulo e que são trazidas diretamente da China, ou do raio do globalismo que o parta.

Escrevinhado por Dartagnan da Silva Zanela

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