“Não é a religião, mas sim a revolução o ópio do povo”.
(Simone Weil)
CERTA FEITA, O ESCRITOR José J. Veiga, autor do livro “A hora dos ruminantes”, havia dito, numa entrevista, que o escritor não deve escrever os livros que quer, mas sim, aqueles que precisam ser escritos.
Uma sentença simples que, penso eu, nos leva a considerações bem interessantes. Não apenas sobre o ofício de escrevinhar, mas também sobre todas as atividades humanas. Essas palavras nos convidam a volver nossas vistas, e mover nossas energias, para aquilo que, de fato, precisa ser realizado; não apenas e unicamente para as coisas que desejamos que sejam feitas.
Por isso, deixo de lado aquilo que gostaria de assuntar, para voltar minha lapiseira na direção de outros traços que me parecem mais urgentes.
Em dezembro de 2015, o senador petista Paulo Paim – por quem tenho um grande respeito apesar das inumeráveis discordâncias que possuo com relação às suas posições políticas – havia declarado numa entrevista para as páginas amarelas da revista “Oia” (como chamamos a Veja aqui no Paraná) que “é triste ver que o sonho acabou. Ver aonde chegamos. Infelizmente, o PT hoje é um partido como todos os outros que sempre criticamos”.
Pois é. E aí está uma de minhas discordâncias com o nobre parlamentar. Discordância essa que, no contexto atual, seria interessante elucidar para aqueles que, como eu, não se sentem confortáveis com o uso de viseiras ideológicas, pouco importando se essas estejam voltadas para a destra ou à sinistra.
Dito isso, vamos ao ponto do conto. O partido dos trabalhadores continua sendo um partido de natureza diversa dos demais e, por isso, ele consegue ser muito mais danoso. Explico-me.
Diferente dos demais, porque ele, junto com seus partidos acessórios, é o único que nutre um culto à personalidade de uma liderança política, similar ao que tivemos e temos nas organizações e estados de índole totalitária.
Não apenas isso. Lembremos que em sua fundação, a referida agremiação partidária adotava uma estratégia leninista e, no correr da década de 80 para a década de 90, gradualmente, passou a adotar uma estratégia gramsciana.
De uma ou doutra forma, esse partido tinha e tem um projeto de tomada do poder. Um projeto de inspiração e orientação marxista. Isso, em grosseiros traços, significa que o objetivo maior presente nesse programa político que, por ora, está se esfacelando, seria a tomada total do Estado e da sociedade, por meios lentos e mais ou menos sutis. Sutis, ao menos, perante os olhares distraídos do grande público.
E é aí que a porca torce o rabo. Perante o grande público eles vendiam a imagem do impoluto partido da ética. Lembram-se? Pois é. Mas, ao mesmo tempo em que se vendia essa imagem na década de 90, que atraía a simpatia de muitos, já se iniciava os primeiros experimentos – na prefeitura de Santo André, por exemplo – de governança do atraso rumo à tomada total do poder. Aliás, pouco antes de Lula tomar posse do seu primeiro mandato, FHC havia lhe dito que seria ele, Luiz Inácio, que agora teria de comandar o atraso.
Nesse sentido, vale a máxima de Mao Tsé Tung, a qual reza que pouco importa se o gato seja branco ou preto, o que interessa é que o bichano coma o rato.
Parêntese. Fernando Henrique – conforme as palavras do próprio Lula – foi um dos articuladores da criação do partido que hoje praticamente tornou-se uma capelinha do ídolo de barro. Não precisaria nem dizer, mas direi: o presidente sociólogo era e é um profundo conhecedor da estratégia gramsciana. Mas isso é prosa pra outro causo. Fecha parêntese.
E ao assumirem o comando do atraso, esses não tinham por intento, tão só e simplesmente, de realizar por meios escusos algo “benemérito”, como as reformas que são adiadas ad infinitum em nosso triste país, mas sim, comandou-se o atraso – as velhas raposas fisiológicas e felpudas – para se perpetuar na maquinaria estatal ou, se preferirem, para instrumentalizar definitivamente os clãs políticos para a realização dos seus objetivos totalitários. Para dominar de vez o dito cujo do “mecanismo”.
Sobre isso, certa feita Rui Barbosa havia dito que, tipos assim, como o “luliano” e seus sequazes, seriam tão somente “déspotas de curta vista”. Gente que ignora a incapacidade profissional dos parasitas que fazem da incompetência a mais preciosa qualidade, que se associam à baixeza, ao fanatismo e à brutalidade. Nesse cenário, os melhores seriam aqueles perdulários de sinecuras, conscientes da injustiça que os mantém facilmente nas entranhas estatais reduzindo-os à condição de irresponsáveis instrumentos da tirania que os alicia.
Pois é, pois é, pois é. Poderia ele, no comando do atraso, ter promovido algo significativo e que realmente fosse do interesse da sociedade. Poderia, porém, preferiu antes realizar algo que fosse imprescindível para a efetivação da agenda do seu partido e, consequentemente, do Foro de São Paulo.
Ou seja: o partido dos trabalhadores, hoje, é o mesmo de ontem. A diferença é que, no momento, as suas vestes discursivas estão rotas, num estado que não mais são capazes de encobrir as suas vergonhas. E que vergonhas. O partido está nu e o pior de tudo que não foi a inocência duma criança que constatou e denunciou isso.
Por essas e outras, que no imaginário dos grandes mandatários dessa agremiação política, todos os seus atos estavam acima de qualquer suspeita. Vejam só: eles não eram, e não são, reles políticos fisiológicos que apenas almejam parasitar as úberes estatais para simplesmente satisfazer sua sanha pecuniária. Não. Eles creem, candidamente, que tudo o que foi feito era justificável frente aos objetivos que eles diziam para si mesmos querer alcançar. Só que não.
Resumindo o entrevero: no seu entendimento, os fins justificavam os meios, desde que sejam os seus fins; e que isso fique bem claro. Aliás, diga-se de passagem, um dos melhores intérpretes de Maquiavel foi o caipora do Antonio Gramsci.
Não apenas os barões esquerdistas pensavam assim. A militância miúda também pensa de modo similar. Um bom exemplo disso, que agora me vem a memória, é uma declaração, tão infeliz quanto sincera, que fora feita por um professor militante que afirmava enfaticamente que o grande erro de Lula e do PT foi não ter doutrinado o povo para que esse aprendesse a ser grato por tudo o que foi feito pelo Sinhô Dotô de São Bernardo. É mole ou quer mais? Tem mais sim senhor!
A raia miúda fala em doutrinação em massa e o grande timoneiro barbudo arrepende-se de não ter realizado o tal do “controle social da mídia”. E, no frigir dos ovos, o que isso significa? Significa que se perdermos a liberdade de expressão nós não iremos ficar sabendo como e de que modo perderemos as nossas outras liberdades. Só isso.
Outro parêntese. Quando a militância fica repetindo aquele discurso de auto justificação – propagandístico, chato e oco – que afirma que a grande parte da sociedade brasileira, que repudia Lula e as ideias que ele encarna, rejeita-o porquê não gosta de ver pobre andar de avião, de ver pobre na faculdade e blá blá blá – fico cá com meus botões a matutar: será que os abençoadinhos imaginam mesmo que essas pessoas, como eu, seriam encarnações do deputado Justo Veríssimo, a personagem de Chico Anísio, que odiava pobres? Ao que tudo indica é o que parece. Sim, sei que isso é patético. Sei disso. Mas não sou eu que fico repetindo isso aos quatro ventos não. Fecha-se esse outro parêntese.
Sim, o leitor tem todo o direito de bufar, se desejar, com essas linhas mal escritas. Tem mesmo. E respeito isso. É seu direito.
Aliás, tanto respeito que sugiro que o mesmo, se assim o quiser, siga as orientações do cientista político Angelo Panebianco e, por conta própria, rastreie a gênese do partido político da estrelinha cadente. Diz-nos ele que, para tanto, devemos: (i) identificar o ponto de partida e o estímulo fundamental de sua organização; (ii) reconhecer qual é o peso dos elementos externos, como outras organizações e o carisma de certos indivíduos, sobre ela; (iii) verificar como essa organização procura se consolidar; (iv) mapear quais são as lealdades existentes (interna e externamente), quais os conflitos internos ao partido e (v) analisar como é feita a incorporação de militantes, quadros e lideranças.
Tais critérios, penso eu, já dão um bom pano pra manga.
Se desejar, pode ainda complementar os critérios acima indicados com esses que nos são recomendados pelo cientista político Giovanni Sartori, que nos diz que para identificar a natureza de um partido político devemos procurar saber: (i) qual é a imagem pública apresentada por ele; (ii) quais são as deliberações internas do mesmo; (iii) quais são suas conexões externas – dentro e fora do país e (iv) qual a orientação ideológica do partido.
Enfim, junte as dicas do Panebianco com os macetes do Sartori e, com um pouco de boa vontade e sinceridade intelectual, identificará o DNA totalitário do petismo. Sim, dá algum trabalho, mas, ao final, pode crer que será algo muito gratificante.
Enfim, por essas e outras que sou franco em dizer que as realizações socialistas – trágicas em seus resultados e, ao mesmo tempo, cômicas em suas tentativas de justificação – não são o que mais me assusta não. O que realmente me causa calafrios – hum… calafrios – são os sonhos socialistas e, por isso, ao contrário do nobre senador Paulo Paim, não lamento não o fato de suas aspirações políticas terem naufragado por hora. Nem um pouco.
E digo mais: decaídas agora. É, meu caro. Não sou tolo ao ponto de subestimar a capacidade comunista de se reinventar para retornar, a todo vapor, para sua peleja totalitária pelo poder.
Nunca duvide, como dizia o saudoso escritor Janer Cristaldo, do que os órfãos de Deus encharcados de ideologia são capazes de fazer. Nunca duvide da capacidade que a intelectuária militante tem para defender uma tremenda cagada histórica. E põe histórica nisso.
E paremos já com esse papo bravo porque já está na hora de tomarmos um café. Fim de causo.
Escrevinhado por Dartagnan da Silva Zanela, em 22 de abril de 2018
https://sites.google.com/view/zanela
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