No século passado, um rapaz, não tão rapaz assim, chegou em uma lanchonete, na de sempre; sentou-se no mesmo cantinho que, por costume, ocupava para se isolar. Sentou-se e pediu o de sempre.
_ Boa noite seu Aroldo!
_ Boa noite seu moço!
Essa era a lanchonete da tia. O casal não era parente de ninguém e, por isso mesmo, acabavam por ser os o tio e a tia de todos. Dois velhinhos, não tão velhinhos assim, que eram pura simpatia.
_ O que vai ser hoje?
_ O de sempre.
_ Um café, um empanado de frango e uma dose de vodca.
_ Isso mesmo seu Aroldo!
E lá ficou ele, no seu cantinho, só, naquela lanchonete agitada que a todos acolhia com simplicidade em seu aconchego. Bem, o nosso moço lá ficava, sem nada fazer, sem nada pensar, degustando seu jantar mirrado de sexta-feira, hidratando seu coração com aquela alegria russa engarrafa, esperando, como sempre, que um dos seus aparecesse ali, na lanchonete, pra jogar uma conversa fiada antes de ir para sua aula. Uma conversa tão fiada quanto o empanado, o café e a dose de vodca.
Mas, como de costume, ninguém apareceu. Nem uma viva alma.
Então lá ele ficou por mais algum tempo. Olhou no velho relógio preso à parede e viu que estava na sua hora.
Tinha que assistir a sua aula. Não queira nem saber qual era a tônica da aula. Pode ter certeza que é melhor que seja assim. Na verdade, duas. Uma seguida da outra e depois, como dizem, estava liberto para fazer o que quisesse. Mas ele não sabia ao certo o que fazer e não tinha muito o que querer. Na verdade, dizem as más e boas línguas, que até hoje ele não sabe o que fazer.
O moço se despediu do tio e da tia de todos e seguiu o seu rumo, passo por passo, sem presa e relativamente faceiro. A vodca já havia subido pra cabeça.
Atravessou a rua e foi, leve, seguindo pelos corredores daquilo que era tido, desde tempos não tão imemoriais assim, como sendo um “templo do saber”, um “altar da ética”, um “sacrário da pesquisa científica”. Era uma universidade.
Subiu pelas escadas de madeira, andou mais um pouco por aqueles corredores frios e envelhecidos e lá estava ele, em sala de aula, com sua turma, aguardando a chegada do mestre que iria ministrar a aula.
Com um atraso duns vinte minutos o abençoado deu o ar da graça. Simpático, como de costume, cumprimentou a todos, contou uma e outra anedota e, rapidamente, foi direto ao ponto: convidou a todos para que nos dirigíssemos ao auditório para assistimos uma palestra que, segundo ele, não só era interessantíssima como importantíssima para a formação de cada um de nós.
Detalhe: a preleção não tinha nada que ver com a área de formação que o moço, suposto herói do nosso causo.
Lá estando ele aproveitou e ficou para ouvir um pouco do que estava sendo dito. Não havia muito que aproveitar, mas, como dizia o seu primeiro patrão, quem guarda o que não presta sempre acaba tendo o que os outros precisam. Então ouviu e guardou o que pode.
Não era a primeira vez que isso acontecia. E, infelizmente, não foi última.
O ponteiro correu e o moço cansou-se. Cansado estava de mais um dia de trabalho; estava, também e principalmente, enfastiado com aquele tipo de situação que com tanta frequência ele tinha de encarar e engolir a seco. Mas, fazer o quê, não é mesmo?
Então, com os olhos pesados, o moço voltou, passo por passo, até o aconchego da lanchonete da tia, agora, não mais para comer um empanado de frango, nem para tomar uma xícara de café preto. Era pra beber uma jarra de vinho barato, esperançoso de encontrar alguma sabedoria depositada na jarra de vidro, porque, naquele prédio gélido, idolatrado por muitos como sendo o herdeiro do jardim de Acádemo, ele sabia que não encontraria nada que não fosse pompa, vaidade e um diploma.
Ele já havia sacado que a tal da sabedoria fazia muito que não mais morava ali.
Dartagnan da Silva Zanela, 21 de maio de 2019.