O historiador britânico Arnald Toynbee, dizia que, se formos nos dedicar ao estudo da história política, deveríamos não apenas voltar a nossa atenção para aqueles que estão abrigados nas vísceras do poder.
Segundo o mesmo, seria muito proveitoso, e mesmo importante, que estudássemos o que ele denominava como sendo “a psicologia das oposições”; em especial nos regimes autoritários e totalitários, mas também, e por que não, seria de grande valia procurarmos entender a mentalidade das oposições nos regimes democráticos; democráticos de fato, ou apenas nominalmente democráticos.
Segundo o esquecido e desdenhado historiador, nós poderíamos apartá-los em dois grupos. Um seria o dos “exilados exteriores”, que seriam propriamente aqueles indivíduos que estariam, de fato, vivendo num ostracismo literal. O outro seria o dos “exilados interiores”, os quais seriam os sujeitos que, de certa forma, viveriam marginalizados, isolados dentro de seu próprio país ou localidade.
A compreensão dos perfis psicológicos de ambos os gêneros de exilados seria algo interessantíssimo e, penso eu, pode nos reder uma compreensão mais profunda a respeito da quadra histórica que hoje vivemos e, também, dos principais momentos e eventos políticos que marcaram a nossa história.
Ainda sobre as oposições, vale a pena destacar uma passagem onde Nietzsche, meu maluco preferido, afirma que devemos tomar muito cuidado ao combatermos um monstro porque, muitas vezes, corremos um grande risco de acabarmos nos tornando ele. Na verdade, podemos nos tornar algo muitíssimo pior do que aquilo que combatemos e, se isso não ocorrer, gostemos ou não, seremos influenciados de várias formas por nosso contendor.
Nesse sentido, para os reles mortais, como eu e você, creio que seria algo muitíssimo frutífero confrontarmos não apenas discursos, mas biografias de figuras que se antagonizaram na história para vermos o quanto, e de que maneira, uma influenciou a outra; o quanto um determinou a maneira de ser, de agir, sentir e pensar de cada um.
Um bom exemplo desse tipo de reflexão seria a que nos é apresentada na introdução do livro “O marxismo de Marx” do sociólogo Raymond Aron, onde estão reunidos dois cursos sobre marxismo que foram ministrados pelo mesmo.
Aron, laconicamente, diz que o pensador que mais o influenciou, mesmo sendo ele um liberal, foi Karl Marx. Por quê? Simplesmente porque ele dedicou mais de cinquenta anos ao estudo da obra do sapo barbudo. Não tem como não ser influenciado por algo, ou alguém, com quem convivemos tanto tempo. Não mesmo.
Trocando em dorso, ou por qualquer outro miúdo de sua preferência, não há como não sermos influenciados por aqueles que combatemos. Isso faz parte do trágico babado dialético que é a nossa cambaleante existência.
Porém, isso não significa que na arena política todos os atores que atuam nela seriam, tão só e simplesmente, uma cópia fajuta de seus adversários e desafetos. Aí estaríamos, sem querer querendo, tapando o sol com a fake news. Aí não vale.
Por isso, vejamos doutro modo. Sabemos que, por exemplo, Getúlio Vargas e Carlos Lacerda se antagonizaram em nossa história; estamos carecas de saber que Trotsky e Stálin não faziam churrasquinho juntos no fim de semana, mas, em que medida esses indivíduos se influenciaram? O que cada um fez com a influência recebida do outro?
De que maneira a ação de um determinava a ação do outro? Como esses indivíduos lidavam com o turbilhão de emoções que eram despertados e motivados pelo seu antagonista? Em que medida cada um determinou os rumos da vida do outro?
Sim, podemos responder a essas questões com estereótipos apreendidos dos lugares comuns que foram sendo cristalizados com o tempo o que, por sua deixa, não amplia muito nossa capacidade compreensão. Na verdade, tais lugares comuns limitam severamente nossa capacidade de entendimento porque acabam nos dando a ilusão de que estamos sabendo “muuuiiiito” sobre o babado historiado. Só que não.
O ideal seria que realmente tirássemos um tempo, um bom tempo, para estudarmos um desses antagonismos em profundidade, qualquer um, pois, fazendo isso, mesmo que seja apenas com uma dupla de perfis, iremos ver o quão complexas são as relações humanas; o quão intrincadas são as disputas pelo tal do poder.
E tem outra: fazendo isso, com o tempo de estudo necessário e com a profundidade requerida, veremos, com certa vergonha, o quão esquemática e rasa é, muitas vezes, a nossa visão sobre inúmeros acontecimentos, sejam eles contemporâneos ou pretéritos; sejam eles políticos ou não.
Enfim, quem o fizer, verá e irá rir e corar.
Escrevinhado por Dartagnan da Silva Zanela,12 de junho de 2019.