por Dartagnan da Silva Zanela (*)

Eleições municipais em todo território nacional, eis aí um trem bonito de se ver.

Neste ano, em cada canto do país, encontraremos boleiras de máquinas de pirlimpimpim que, após a digitação de um punhado de números, e a aparição da foto de uma visagem, veremos pessoas saindo sorridentes da cabine de votação, com o sentimento de dever cívico cumprimento, por ter cutucado com seu dedo indicador os botões dos candidatos e, com isso, fortalecido a democracia.

E não tenho a menor dúvida de que nas repúblicas municipais deste nosso grande país, a democracia sempre acabará saindo fortalecida após o término de um pleito.

Sim senhor, sai sim, desde que não nos esqueçamos que, muitas e muitas vezes, a democracia, em muitos rincões, nada mais é do que aquilo que nos aponta o sociólogo alemão Robert Michels: um mecanismo formal que permite, através de instrumentos legais, redistribuir o poder entre as oligarquias que se digladiam em uma faixa territorial.

Aliás, lembremos também das lições que nos foram apresentadas por Oliveira Vianna em seu livro “Instituições Políticas Brasileiras”, onde o mesmo nos chama a atenção para o fato de que em nosso país, na prática, não existem partidos políticos. O que existiria, nas palavras dele, seriam apenas “clãs políticos”, que se organizam em torno de alguns figurões, figurinhas e figuraças e, em torno deles e de suas famílias, seria arquitetada a tomada e a manutenção do poder.

Entra ano eleitoral, sai ano de eleições, e os nomes que se apresentam nas cabeças para disputar os pleitos podem até mudar, porém, os grupos que se articulam em torno desses nomes, são praticamente os mesmos de sempre. Os mesmos “clãs políticos” que estão procurando o seu quinhão na “cornucópia democrática”, no mecanismo de redistribuição do poder entre as oligarquias antagônicas do momento.

Por essa razão, é importante lembrarmos que as alianças que são firmadas, os acordos que são estabelecidos e os apoios que são manifestos a um e outro candidato, não se devem tanto aos bons sentimentos que, porventura, podem ser nutridos por eles.

Isso até pode ocorrer da parte de um e outro eleitor ou correligionário do dito-cujo, mas não é esse o sentimento essencial que move a grande maioria dos eleitores e, muito menos, dos líderes e integrantes dos “clãs políticos” que declararam o seu apoio a uma candidatura.

De um modo geral, as pessoas apoiam Cicrano não porque gostam dele, ou porque têm certas afinidades com o abençoando, mas sim, porque estão todas juntas, com ele, contra Beltrano. E estão contra pelas mais variadas razões. Algumas dignas de respeito e, outras tantas, são o que são: apenas mesquinharias.

Resumindo o entrevero, em todos os cantos dessa terra de Vera Cruz, vale o velho conselho do general chinês Sun Tzu: os inimigos dos meus inimigos são meus amigos. Ao menos nesse pleito. No próximo, são outros quinhentos.

Nesse sentido, os candidatos que melhor articularem esses desafetos desordenados, invariavelmente irão conquistar as honrarias do pleito. Articulação essa que, como todos nós sabemos, não pode ser realizada no curto período eleitoral. Nada disso. Esse é um trabalho perene, que não finda jamais porque, ao contrário do que dizem, o povo, o povinho e o povão, tem uma ótima memória. Uma excelente memória. O problema é que toda memória, por definição, é seletiva.

Ou seja: os eleitores e oligarcas dos “clãs políticos” lembram muito bem daquilo que lhes convém e, aquilo que lhes assenta, na maioria das vezes, não é o que muitos mandatários gostariam que fosse lembrado.

E é nesse contraste entre insatisfações, frustrações e birras que um pleito municipal vai tomando forma e desenhando, sem o auxílio de uma borracha, o futuro da democracia das municipalidades deste nosso grande e triste país.

Não tenho a menor dúvida de que muitas das municipalidades brasileiras até possam parecer-se com a Atenas de Péricles, que outras tantas sejam similares a Florença de Nicolau Maquiavel, porém, algo me diz que a grande maioria delas será apenas e tão somente um retrato canhestro da velha Sucupira de Odorico Paraguaçu.

(*) professor, escrevinhador e bebedor de café. Autor de “A QUADRATURA DO CÍRCULO VICIOSO”, entre outros livros.

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