Errar é humano. Todos nós, uma vez ou outra, bem provavelmente já fizemos uso desse dito, e o fizemos nas mais variadas ocasiões pelos mais variados motivos. Aliás, falando no dito cujo do tal do erro, quem nunca… que atire a primeira pedra.

É. Não tem jeito. Estamos todos cobertos, da cabeça aos pés, com os dejetos produzidos por nós mesmos. Bah! Que nojo.

Porém, da constatação dessa obviedade ululante, podemos refletir sobre alguns desdobramentos possíveis, podemos ponderar a respeito de algumas ideias um tanto que atabalhoadas que brotam do solo adubado com esse brocardo popular.

A mais gritante, a meu ver, seria aquela que afirmar que errando é que se aprende e que, por isso mesmo, não seria producente corrigir o erro [1].

Pra começo de prosa, parece-me que no esforço sincero para conhecer algo sempre acabamos cometendo um e outro erro e que, aprendemos a fazer o certo e a compreender uma e outra verdade, quando estamos abertos para a necessidade de uma correção e, com isso, de lambuja, ganhamos uma oportunidade ímpar para nos tornarmos mais humildes.

Se não ocorrer a dita cuja da correção, não há aprendizado. Se não estivermos procurando obstinadamente o acerto, dificilmente faremos algo de modo minimamente correto [2].

Seja na arte da carpintaria, na conjugação de um verbo, na compreensão duma obra literária, no cálculo da área de uma forma geométrica, no preparado duma receita culinária, na execução duma música, na prática duma arte marcial, seja no que for, sempre há pré-requisitos elementares que se não forem cumpridos a risca acabam por comprometer a realização daquilo que se pretendia realizar.

Apontar com clareza o erro é fundamental para o aprendizado. Só os maliciosos não reconhecem isso.

Se não aprendemos a distinguir com relativa clareza a diferença entre o fim almejado e o desvio cometido, inevitavelmente acabaremos por não refinar o nosso discernimento.

E tem outra: sem o refino de nossa capacidade de discernir, com o tempo, acabamos por limitar drasticamente nossa potencialidade para agir de modo eficaz [3].

Por isso é tão importante que um infante seja penalizado – com uma nota baixa que poderá exigir dele a repetição duma etapa de sua formação escolar – quando ele insiste em sistematicamente cometer a mesma sequencia de erros, porque a penalização apresenta de modo claro que existem consequências para as escolhas que fazemos [4]. De mais a mais, que não pune amorosamente, acaba por corromper com bajulações. E quem não sabe distinguir bajulação de demonstração de afeto, com o perdão da palavra, não sabe o que significa educar.

Outro detalhe importante: quando aprendemos a agir de modo consequente, estamos aprendendo a ser responsáveis. Se isso não nos for devidamente ensinado, por mais bonitas que sejam as palavras, por mais fofas que sejam as intenções, o infante ao invés de acender os patamares da maturidade, acabará por ver-se agrilhoado a uma perene vida infantilizada [5]. Infantilização perene essa que alguns preferem chamar de adultescência.

Enfim, se somos complacentes para com os erros, dos infantes e com os nossos, podemos até parecermos aos olhares distraídos pessoas loucamente boazinhas, porém, essa atitude, para com as gerações mais tenras, encobre uma displicente crueldade por condená-las ao vicioso círculo da autoindulgência soberba, que olha com desdém para o conhecimento de tudo que seja bom, belo e verdadeiro, ao mesmo tempo em que idolatra a sua cevada falta de discernimento, como se essa fosse uma forma excelsa de humildade.

Infelizmente, para os doutos e burocratas que pensam e regem o sistema educacional brasileiro já há algumas décadas, tornou-se proibido apontar com clareza o erro ao mancebo.

Há inclusive algumas almas mais sensíveis que dizem que tal prática, a correção, pode causar traumas irreversíveis, principalmente se for feito com o uso truculento duma caneta esferográfica de cor vermelha. Se você for ousar corrigir, dizem os especialistas, use verde; é mais fofo.

Graças ao relativismo, com suas mil e uma facetas cheinhas de boas intenções, a educação brasileira encontrasse mergulhada nesse estado catastrófico. Isso mesmo. Um país onde, de acordo com o INAF (Índice Nacional de Analfabetismo Funcional), apenas 12% da população poderia ser considerada proficiente em leitura [6] é porque o erro se apossou gostosamente do lugar que era reservado exclusivamente ao acerto; e ele, ao que tudo indica, não quer saber de voltar para o seu devido lugar. Lugar esse que o dito cujo nunca deveria ter saído, diga-se de passagem.

Detalhe importante: dum modo geral as pessoas que não são proficientes em leitura não sabem disso, não acreditam nisso e tem raiva de qualquer um que tenha a pachorra de cogitar essa possibilidade.

Tal rejeição é mais do que compreensível, tendo em vista que a inteligência é o único bem que quanto mais o sujeito perde, menos falta ele sente do dito cujo.

Por essas e outras que dizer a um estudante que ele reprovou não é sinônimo de exclusão ou algo do gênero, mas sim, a afirmação de que confiamos que ele é capaz de fazer o que é certo, por seus próprios méritos, não necessitando de nenhum “trabalhinho” para maquiar o desvio cometido por ele em sua jornada pela rota do saber.

Porém, todavia e, entretanto, se continuarmos a recorrer aos truques burocráticos e estatísticos da cartola dos aprendizes de Mandrake, para magicamente adornar planilhas duvidosas, nós não sairemos tão cedo dessa arapuca politicamente correta em que nos metemos.

Escrevinhado por Dartagnan da Silva Zanela em 26 de fevereiro de 2020, quarta-feira de Cinzas, dia de São Porfírio de Gaza e de Santo Alexandre.

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[1] ELIOT, T. S. Notas para uma definição de cultura. São Paulo: Editora Perspectiva, [s/d].

[2] FOERSTER, Friedrich Wilhelm. Temas capitales de la educacíon. Barcelona: Editorial Herder, 1960.

[3] BERNARDIN, Pascal. Maquiavel Pedagogo – ou o ministério da reforma psicológica. Campinas: Eclésia/Vide, 2013.

[4] ZAMBONI, Fausto José da Fonseca. Literatura, ensino e educação liberal. Tese doutoral/UNESP: Assis, 2011.

[5] SINAY, Sergio. A SOCIEDADE QUE NÃO QUER CRESCER: quando os adultos se negam a ser adultos. Rio de Janeiro: Editora Guarda-chuva, 2012.

[6] Instituto Paulo Montenegro. Inaf 2018 – Nova edição do Inaf não aponta avanços nos níveis de alfabetismo no Brasil. Disponível na internet: https://drive.google.com/file/d/1ez-6jrlrRRUm9JJ3MkwxEUffltjCTEI6/view

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