por Dartagnan da Silva Zanela (*)

 Seja no bar ou na barbearia, na rua ou na fazenda, ou mesmo numa modesta casinha de sapê, nós iremos, com toda certeza, encontrar brasileiros, praticantes ou não, batendo no peito e dizendo que são pessoas de princípios, defensoras da moral, dos bons costumes e que, por isso, se consideram pessoas boníssimas (do bem ou de bem) e que, por essa razão, dizem não apenas se preocupar com o futuro da nação, mas também e principalmente, afirmam que nunca deixam os seus chinelos virados pois, como todos nós sabemos, quem os deixa assim, boa pessoa não é.

 Na verdade e na real, todos nós, sejamos de direita, esquerda ou isentões criados na base do leite com pera, declaramos para Deus e todo mundo que somos pessoas de valores e, inclusive, numa boa conversa junto à uma mesa de bar, somos capazes de enumerar uma penca deles e de explica-los, tintim por tintim, não é mesmo? É claro que sim.

 O problema é que todos nós, em alguma medida, ao mesmo tempo que proclamamos crer em um determinado conjunto de crendices políticas, de valores sociais e de princípios éticos, com a maior cara de peroba, os ignoramos em nosso dia a dia. Alguns diriam que isso seria apenas e tão somente um claro sinal de hipocrisia e eu, de minha parte, não creio nisso não. No meu entender o buraco seria bem mais embaixo.

 Não duvido, em momento algum, que as pessoas acreditem candidamente naquilo que elas dizem defender. O que questiono é o quão conscientes elas são porque, como todos nós sabemos, uma coisa são os valores, ideias e ideais que apregoamos em alto e bom som; outra, bem diferente, seria o ethos que orienta as nossas ações, a nossa maneira de ser.

 Conforme nos ensina Ortega y Gasset, em sua obra “El Espectador – VI”, os princípios éticos que proclamamos, da boca pra fora, representariam apenas uma espécie de justificativa para as nossas escolhas e decisões. Um conjunto de valores morais, por sua deixa, consistiria, no entendimento do filósofo espanhol, em um maço de normas ideais que, talvez (lembrem-se: talvez), as aceitamos mentalmente, mas que, necessariamente, não as cumprimos.

 Nesse sentido, diria Ortega, os tais valores morais, que estufamos o peito para dizer que são nossos, seriam apenas utopias, na melhor das hipóteses; na pior, meros slogans publicitários.

 Quanto ao tal do ethos, este seria composto pela nossa autêntica moral, que efetivamente guia o nosso modo de ser, que se manifesta de maneira espontânea em nossa vida cotidiana.

 Por essa razão que, na política brasileira, especialmente nos municípios com suas tramas e tretas pelo poder, e em torno dele, vemos com relativa clareza uma das constantes históricas que deram forma a nossa sociedade, que é a “coerência das incertezas”.

 Essa constante, muito bem descrita e explicada por Paulo Mercadante, seria a perene preferência brasileira pela conciliação [surreal] em detrimento de possíveis rupturas ou revoluções. Conciliações essas que são tecidas com base no ethos comum que há entre os cidadãos, os clãs políticos e facções ideológicas ou patrimonialistas, não com base nos valores que cada uma das tribos eleitoreiras proclamam aos seus eleitores e para os seus currais eleitorais.

 E é justamente aí que a porca torce o rabo porque, todos somos capazes de arregalar bem os olhos para ver o ethos escandaloso que está encalacrado nos olhos dos outros, mas fechamos os nossos, bem rapidinho, apagamos as luzes e saímos correndo pelo meio das quiçaças, para não termos de reconhecer que muito do que está presente na vista alheia, infelizmente, também está patente na nossa.

 Enfim, não é de uma revisão ética que precisamos, nem de um choque moral ou de uma reforma política. É urgente que procuremos transubstanciar o ethos que nos guia à sombra da nossa inconstância [depre]civicamente inconsciente.

 (*) professor, escrevinhador e bebedor de café. Autor de “A QUADRATURA DO CÍRCULO VICIOSO”, entre outros livros.

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