por Dartagnan da Silva Zanela (*)

Cristóvão Colombo, como todos nós bem sabemos, quando trombou nas ilhas das Caraíbas, nas Antilhas, jurava de pés juntos que havia chego em algum dos cantos das Índias. Tanto o era que, o navegador genovês, inquieto, procurava identificar nos nativos da terra “traços asiáticos” que lhe assegurasse que, de fato, ele teria aportado nas terras do Grande Cã.

O impetuoso navegador empenhava-se nesse vão esforço porque o seu imaginário estava povoado, até a tampa, com imagens e informações a respeito do extremo Oriente; informações essas advindas das narrativas de viagem de Montecorvino, Pian del Carpine e, é claro, de Marco Polo.

Obviamente haviam muitos outros exploradores e viajantes medievais que, entre os séculos XIII e XIV, rumaram pela vastidão da Ásia, singraram pelas águas do Índico, à procura do exótico e de outras coisinhas mais, beneficiando-se da relativa tranquilidade que era garantida pela “pax mongólica” e, todos eles, cada um ao seu modo, relatou as maravilhas que haviam encontrado, e o faziam de um jeito fascinante.

Agora, a situação de Colombo era bem outra, porque não havia em sua cumbuca nenhum relato sobre a existência de um gigantesco continente que, como direi, bloqueou a sua passagem para o destino almejado por ele. Por isso, todas essas imagens que habitavam o seu imaginário passaram a emoldurar o que ele havia encontrado no meio do caminho que, diga-se de passagem, não era apenas uma pedra.

E seus curiosos e atordoados olhos de europeu procuravam, infatigavelmente, confirmar aquilo que ele sabia, projetando sobre o Novo Mundo as imagens do Velho e, ao fazer isso, acabou bloqueando a possibilidade de acessar um efetivo conhecimento do outro que se apresentava a ele naquele momento.

Dito de outro modo, os olhos do genovês procuravam enxergar primeiro aquilo que ouviu dizer e, deste modo, filtrava e decantava as imagens captadas pelos seus olhos através do véu de imagens que carregava em seu íntimo.

Detalhe importante: não apenas ele fazia essa confusão. Todos os exploradores e aventureiros desses idos, em algum momento, e de alguma forma, acabaram caindo em algum engano similar.

Aliás, nós também sofremos frequentemente esse tipo de desordem cognitiva nas mais variadas situações, especialmente quando o pomo da discórdia seriam as tais questões de ordem política. Aí meu amigo, é um Deus-nos-acuda.

De um modo geral, o homem contemporâneo sente-se muito bem informado por estar ciente de que pode ter acesso a toneladas de informações, a qualquer momento, devido ao poder que lhe foi outorgado pelos seus queridos e amados aparelhos celulares. Porém, há uma diferença abissal entre sentir-se “bem informado” e, de fato, estar “realmente informado”.

Aliás, normalmente toda pessoa minimamente informada sobre algo, a respeito de qualquer babado, sempre tem a leve impressão de que alguma peça importante está faltando no seu quebra-cabeça; mas, infelizmente, esse naipe de cidadão é raro em nossos rincões, não é mesmo?

Seja como for, munidos com seus celulares, e com a face grudada na telinha da televisão, muitos sentem-se investidos da sensação de serem detentores de uma espécie particular de “sabedoria infusa”, que dispensa a dúvida e a procura abnegada pela compreensão. Indivíduos esses que ficam ouvindo, dia e noite, notícias a respeito da existência de uma suposta ameaça fascista, da hipotética presença intolerável de uma raivosa extrema-direita, que está espreitando a todos aqui, ali e acolá e que, por essa razão, a democracia estaria correndo sérios perigos.

Bem, com essas imagens em seu imaginário, de modo similar aos navegadores do século XV, esses indivíduos modernosos acabam “reconhecendo” a figura de “truculentos fascistas” nas pessoas que mais ou menos se enquadram em seus estereótipos, da mesma forma que Colombo ficava procurando nos nativos da América traços que os aproximassem dos povos da Índia.

Aliás, os caçadores de fascista imaginários da atualidade não diferem muito dos perseguidores de comunistas fantasmagóricos das décadas de 60 e 70.

Pois é. Que confusão. E todas, cada uma ao seu modo, são trágicas, porque é isso o que acontece quando filtramos e decantamos as informações captadas pelos nossos sentidos com um véu forjado por imagens deformadas que carregamos em nosso íntimo.

Enfim, quando sentimos que estamos montados na razão [ideologicamente desorientada] é sinal de que precisamos, urgentemente, parar para rever todos os nossos conceitos porque, como bem nos lembra Albert Camus, todo mal perpetrado por nós é embalado e justificado por uma má ideia acalentada e defendida por nós. Uma ideia torta, que nos leva a ter uma visão desorientada a respeito dos outros e sobre nós mesmos.

(*) professor, escrevinhador e bebedor de café. Autor de “A QUADRATURA DO CÍRCULO VICIOSO”, entre outros livros.

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