Um dos meus cães é um adorável vira-lata chamado Percy. Na época, quando o ganhamos, estava em cartaz o filme “Percy Jackson e o ladrão de raios” e, como meu filho havia gostado muito do filme, não pensou duas vezes: esse será o seu nome.

Quando filhotinho, tinha uma mania, feia pra caramba, de trucidar os chinelos que ficassem dando sopa junto à porta dos fundos de nossa casa e, por isso, dizíamos que ele era Percy, o ladrão de chinelos.

Quando pequenino, nosso doguinho era muito gracioso. Fofinho como diriam as crianças. Crescido, ele tornou-se formoso, um belo representante da honorável raça dos sem raça. De porte mediano, pernas curtas, patas grandes, corpo e focinho alongados, pelagem preta, tendo as patas, peito e focinho marrons.

Ah! E seu queixo contava com uma leve pelagem branca que, com o passar dos anos, foi aumentando. Minha filha dizia que isso ocorria porque ele estava se tornando um ancião da montanha, como dos filmes de artes marciais dos anos 70.

E, de fato, o Percy tinha umas pegadas que não eram deste mundo. Frequentemente soltávamos ele do canil para correr e arrumar confusão no pátio e, entre outras coisas, ele dava umas voltinhas sobre o muro, feito um gato.

Algumas vezes ele fugia do pátio e ia para rua dar uns rolezinhos (sacumé). Passado um tempinho, ouvíamos um malandro latindo. Lá estava ele, sentado na frente do portão, esperando alguém vir abri-lo para o formoso poder entrar. Figura.

Porém, algumas vezes ele partia para rua e não voltava, deixando minha esposa e meus filhos preocupados com o “belezura”. Nesse tempo eu lecionava à noite em Guarapuava e Mangueirinha, chegando tarde da noite e, sempre que o bonito fazia dessas, ao desembarcar do ônibus, passado da meia-noite, eis que eu avistava na esquina o senhor Percy que, ao me ver, partia na minha direção, com o rabo abanando, acompanhando-me até em casa e, nessa caminhada, tal qual eu fazia quando criança com o velho Monique, ia assuntando com ele a respeito de mil e uma coisas, especialmente, perguntando ao sem-vergonha o que ele tinha aprontado para estar até aquela hora da noite na rua.

É engraçada a relação que estabelecemos com os nossos amigos caninos. É curioso o afeto mútuo que se estabelece entre nós.

Lembro-me que, certa feita, meu amigo Luiz Gonzaga de Carvalho Neto havia me contado que quando o seu avô faleceu, o seu cão acompanhou o cortejo até o cemitério e, após o sepultamento, não mais queria sair de cima do jazigo. Eles levavam o cachorro para casa, mas ele dava um jeito de fugir e voltava para o cemitério para deitar-se sobre o túmulo do seu avô.

Uma história semelhante a do cão Hachiko, um akita japonês, que sempre esperava o seu dono chegar do trabalho, na estação de metrô. Seu dono, um professor, veio a falecer e, mesmo assim, Hachiko continuou indo todo santo dia até a estação de metrô para esperar o regresso do seu amigo humano, até o dia 21 de maio de 1934, quando o cão veio a falecer.

Imagino que, por essas e outras que o escritor Carlos Heitor Cony, dono da cachorrinha Mila, dizia que o único amor verdadeiro que existe é o amor de um cão pelo seu dono. Não digo que concordo com isso, mas não tenho a menor dúvida de que o afeto desses adoráveis bichinhos nos ensinam a amar mais humanamente e a sermos pessoas melhores.

Hoje, enquanto escrevo essas linhas tortas, estou com meu amigo Percy ao meu lado, deitado próximo de mim, velhinho e cego. Ele não corre mais, não pula, não late, não mais anda sobre o muro, nem tenta fugir do pátio. Seu andar agora, quando anda, é claudicante, pois prefere ficar sentado ou deitado na grama fresca do quintal antes de ser recolhido.

Porém, quando ouve minha voz, chamando-o pelo seu nome, ele rapidamente fica em pé, com as orelhas em prontidão, abanando o rabo, voltando sua cabeça para todos os lados, sem saber exatamente onde estou, à espera de um afago, que lhe é regalado em abundância.

Enfim, certa feita Guimarães Rosa havia escrito que podíamos ver toda a tristeza do mundo nos olhos de um cavalo. Eu, de minha parte, digo que podemos ver nos olhos de um cachorro toda a doçura que muitas vezes falta no coração humano, na vastidão do mundo, nos átrios do peito de cada um de nós.

Escrevinhado por Dartagnan da Silva Zanela – professor, escrevinhador e bebedor de café. Autor de “A QUADRATURA DO CÍRCULO VICIOSO”, entre outros livros.

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