por Dartagnan da Silva Zanela (*)
Muitas são as conquistas e perdas que obtemos no correr de nossa jornada. De todas as perdas, com certeza a mais temível é a perda da coragem. Como nos lembra Miguel de Cervantes, ao perdê-la, perdemos tudo.
Desde priscas eras, o medo foi utilizado como uma arma política; arma essa que insufla na alma de suas vítimas uma percepção distorcida da realidade, levando os indivíduos a abrirem mão de suas liberdades por qualquer coisa que lhes traga alguma sensação de segurança. Não é à toa, como nos lembra o sociólogo polonês Zygmunt Bauman, que o número de pessoas angustiadas, nos últimos anos, cresceu tanto.
Já o filósofo italiano Giorgio Agamben, em suas cáusticas críticas à política contemporânea, nos chama a atenção para o fato de que, atualmente, o “Estado de Exceção” tornou-se a regra. Desde ameaças terroristas até crises sanitárias são usadas como subterfúgio para implementar, de forma nada sutil, novos mecanismos de controle da população civil.
Claro que tais medidas, necessariamente, precisam do apoio de uma câmara de eco midiática para amplificar o medo junto a população, quando lhes convêm, e disseminar a crença de que apenas medidas draconianas de restrição das liberdades fundamentais poderão garantir que as pessoas possam ser devidamente protegidas, cultivando no coração dos cidadãos um misto de superstição e credulidade frente as oficiosas vozes midiáticas e junto as potestades Estatais.
E vejam só como esse mecanismo, denunciado por Agamben, é curioso. Qualquer um que ouse exercitar a sua consciência para analisar os fatos, e tenha o disparate de manifestar alguma crítica contra os donos do poder e seus vassalos midiáticos, não serão vistos pelo que são: cidadãos exercendo a liberdade de expressar-se. Serão vistos como indivíduos que estariam “agredindo autoridades”, “atacando a democracia”, “disseminando fake news”, “espalhando o ódio” e etc.
Ora, desde que andar para frente deixou de ser novidade, dificilmente uma pessoa que é criticada fica feliz em sê-lo. Críticas são, por sua natureza, desconfortáveis e, por isso mesmo, indispensáveis para que possamos sanar as nossas possíveis imperfeições, tanto a nível pessoal como em escala macrossocial.
De mais a mais, desde quando a manifestação de uma crítica é um ataque à democracia? Desde quando criticar as autoridades, em uma sociedade democrática, tornou-se um ato de agressão? Desde o momento em que o Estado de Exceção tornou-se a regra.
Essa tentação totalitária leva à edificação forçada de um consenso que não tolera ser questionado. Mas não foi a quebra de inúmeros consensos que promoveu boleiras de boas mudanças? A quebra de consensos não era um traço distintivo das mentes esclarecidas frente a mediocridade de suas respectivas épocas? Pois é, mas hoje os tempos são outros e, por isso, externar críticas ao Estado, aos donos do poder, a forma deficitária de funcionamento do sistema político e demais assuntos, tornou-se uma “ameaça violenta contra o Estado Democrático de Direito”.
Não é à toa, nem por acaso que, de acordo com uma pesquisa fresquinha, aproximadamente 61% dos brasileiros têm medo de dizer e de escrever o que pensam. E quando vamos nos acostumando a ter medo de dizer o que pensamos, com o tempo, sem que percebamos, vamos deixando de pensar a respeito dos assuntos que tememos dizer ou escrever algo, chegando, deste modo, ao auge do totalitarismo, interiorizando o mecanismo de censura.
Enfim, ao que tudo indica, e à luz da sabedoria de Cervantes, a sociedade brasileira não está muito longe de perder tudo.
(*) professor, escrevinhador e bebedor de café. Autor de “A QUADRATURA DO CÍRCULO VICIOSO”, entre outros livros.
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