Humberto Silva Pinho

Humberto Pinho da Silva

Minha tia-bisavó, Rosinha, fazia cem anos; seu filho convidou-me para participar na cerimónia religiosa e no copo-de-água.

Fui. Tomei o “onibus”, que me levou ao Rio e, horas depois desembarquei na rodoviária. Nessa ocasião residia em São Paulo.

Quando me deslocava para o colégio, que gentilmente cedera as instalações, fui observando tudo que via. Ao perpassar por parede branca, lobriguei, varado, rabiscado a carvão ou tinta negra: ” Portugueses fora do Brasil!”. Estávamos nos anos noventa, do século passado.

Em abono da verdade, devo dizer que nunca senti qualquer antipatia por mim, por ser português; muito pelo contrário: todos, inclusive a policia, mesmo no tempo da ditadura, sempre me trataram com afeto.

Sou como se sabe, matrimoniado com paulista da gema, de família tradicional, por isso sabia que no passado, o nosso povo era considerado: pobre, inculto, analfabeto. Em regra, dizia-se que desembarcava em Santos com: ” Saco e pau nas costas”, ou chegava de avião, ” Nos Tamancos Aéreos Portugueses.

Após a Revolução de Abril, chegaram a terras de Santa Cruz: industriais, professores, médicos, engenheiros e, muita gente da elite portuguesa; e o brasileiro, atónico, mudou logo a opinião depreciativa que tinha.

Mesmo assim… Estando em Florianópolis, em meados deste século, folheando distraidamente as páginas amarelas da Capital de Santa Catarina, deparei, cercado a tarja negra:” Portugal roubou o nosso ouro.”

Era “mimo” dirigido aos milhões de portugueses e descendentes. Eu sabia há muito que era isso, que certos professores ainda ensinavam nas escolas.

Durante décadas não foi fácil ao português ” fugir” das piadas vindas do povo humilde e até da mass-media.

Em 1920, quinhentos poveiros que ganhavam a vida no mar, foram expulsos por se recusarem a serem brasileiros. Retornando a Portugal no navio ” Samaro” – ” A Pátria”, Rio de Janeiro 13 a 15/10/1920.

A perseguição iniciou-se em outubro de 1920, alimentada, entre outros por Epitácio Pessoa. Desconheço a razão de tanta xenofobia, pois a maioria da população era e é descendente de portugueses e italianos. Emigrantes que foram procurar no Brasil melhor vida, como hoje os brasileiros fazem quando emigram para os Estados Unidos e Europa.

A emigração portuguesa, como a italiana, foram comutar a mão-de-obra que havia antes da Lei Nº2: 040 de 28 de Setembro e 1871, que dizia: ” Declara de condição livre os filhos de mulher escrava que nascerem desde a data d’esta lei, liberta os escravos da nação e outros, e providencia sobre a criação e tratamento d’aquelles filhos menores e sobre a libertação annual de escravos.”

Esta crónica, escrita quase ao currente calamo, pretende lembrar a situação difícil em que viveram muitos portugueses no século XIX e meados do século XX, no Brasil. Muitos eram de menor idade, como o escritor Ferreira de Castro que chegou ao Brasil, sozinho, com 12 anos, para não falar de meu bisavô que emigrou ainda adolescente.

Para alinhavar esta modesta crónica, baseie-me: em reminiscências pessoais; na obra: ” No Brasil”, do escritor Silva Pinto; e na pesquisa realizada por Edgar Rodrigues, publicada no ” Jornal de Matosinhos” de 6/12/1991.

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