Falando em gente diferente, José Dirceu, esse mesmo, em entrevista concedida ao jornalista Paulo Henrique Amorim, em 03 de setembro de 2018, por ocasião do lançamento do primeiro volume do seu livro de memórias, havia dito que a obra de Curzio Malaparte, em particular os livros “kaputt” e “A Pele”, tiveram uma grande influência sobre ele porque, nas suas palavras, o autor mostrava a realidade como ela é e era isso que lhe interessava, pouco importando qual fosse a orientação ideológica do escritor.
Tendo isso em vista, podemos, se assim desejarmos, junto com nossos alfarrábios, refletir um pouco a respeito da história do nosso triste país, tomando como chave interpretativa, a presença quase que perene de golpes de Estado em toda a nossa formação histórica, desde a proclamação da independência até os últimos lances da história republicana dessa pátria de chuteiras gastas.
Por certo e por óbvio não temos como traçar aqui, nessas mirradas linhas, um perfil, de fio a pavio, de toda a nossa (de)formação histórica, mas podemos, de forma sintética e bem humorada, jogar aquilo que não se deve nas hélices do ventilador, só pra ver no que é que dá.
Dito isso, venham comigo: logo após a proclamação, e em meio à guerra da independência, tivemos a convocação de uma Assembleia Constituinte que, como todos nós sabemos, logo em seguida, e bem rapidinho, foi fechada por D. Pedro I, na madrugada de 12 de novembro de 1823, naquilo que ficou conhecido como “a noite da agonia”. Um trem feio de se ver.
Passado um tempinho, em 25 de março de 1824 tivemos a nossa primeira Carta Magna, que foi outorgada sobre as sombras do Congresso fechado. Triste isso, mas, em resumo, já de cara, tivemos não um “mito fundador”, mas sim, um “golpe afundador”. Tivemos ou não tivemos? Bem, você decide.
Agora, se saltarmos algumas revoltas como a Confederação do Equador, a Noite das Garrafadas, o Levante dos Logradouros, a Abdicação do Imperador, todas as tretas do Período Regencial, e irmos direto para o início do Segundo Reinado, o que iremos encontrar? Bem, teremos saltado por uma gigantesca sucessão de tentativas de golpes que foram coroadas por um charmosíssimo e exitoso golpe: o da Maioridade, que coroou como imperador, o ainda adolescente D. Pedro II.
A história de toda a manobra política realizada é longa e interessante, muito bem descrita, diga-se de passagem, no livro “O Golpe Parlamentar da Maioridade” de Tristão de Alencar Araripe e Aurelino Leal. Agora, para essa breve escrevinhada, o que nos interessa é apenas lembrar que este foi um golpe realizado através do legislativo, com uma ampla campanha jornalística e, é claro, com apoio popular. Em termos maquiavélicos, um trem lindo de se ver.
Mas o barato mesmo desse golpe foram os versos que a imprensa espelhou, por meio de panfletos e cartazes. Versinhos como esse, que dizia: “Queremos Dom Pedro II/ Embora não tenha idade./ A nação dispensa a Lei,/ E viva a maioridade!” Que fofo. A cara da brasilidade.
Enfim, em 1841 o rapazola foi coroado imperador. Dito isso, pergunto: sua coroação foi golpe ou não foi? Mais uma vez, você decide.
E quanto à Proclamação da República? Pois é. Creio que não há muito o que discutir. Na verdade, a muito sim, tendo em vista a amplitude deste golpe.
Na real, se formos olhar com a devida atenção para toda a história republicana desta terra de desterrados, o que teremos diante de nossas vistas é uma sucessão de golpes, de tentativas de golpes e de alegações de golpes que não tiveram tempo de sair da casca do ovo de serpente.
Seja como for, vejam só como o trem é louco. Em 1891 o primeiro presidente eleito, Deodoro da Fonseca foi eleito devido ao temor que havia de que ele daria, adivinhem, um novo golpe no golpe da República. Pois é. Agora, se pularmos algumas páginas da história, escritas com tons de crise econômica, tramas políticas e quarteladas, veremos Deodoro renunciando à Presidência em novembro do mesmo ano. Ou seja: outro golpe.
Diante do ocorrido, o Floriano Peixoto, que era o vice eleito, mas que era vice da outra chapa, assumiu a presidência contrariando o artigo 42 da Constituição de 1891, que dizia que, caso a cadeira presidencial ficasse vaga, e não houvesse decorrido dois anos do período eleitoral, deveria ser realizada uma nova eleição para o cargo. Ou seja: mais um golpe. Ou não, meu caro Watson? Bem, mais uma vez, você é quem decide.
Quanto ao restante da história republicana, fica o convite aberto para nos debruçarmos sobre ela e, aqueles que o fizerem, invariavelmente, encontrarão muito mais do mesmo.
Naturalmente existem outras chaves de interpretação possíveis para a nossa história. Por exemplo, há autores, como Paulo Mercadante e Florestan Fernandes, que nos chamam a atenção para o traço “conciliador” das elites políticas brasileiras, como sendo uma das marcas distintivas que dão forma às tramas, os dramas e as tretas que são encenadas em nosso país e, por isso, penso que seja de grande valia contrastarmos essa dimensão da nossa história com a das infatigáveis tentativas, exitosas e frustradas, de golpes de Estado, que também ajudam a tecer a malha da nossa história.
Digo isso porque, como nos ensina Lucien Febvre, sempre devemos procurar, de forma zelosa, levantar as questões de forma clara, para podermos problematizar devidamente os fatos para, deste modo, podermos construir uma compreensão mais ampla e profunda das nossas desventuras históricas.
Para tanto é imprescindível que tenhamos paciência, que não nos afobemos para querer confirmar nossos “achismos” e predileções políticas do momento.
Principalmente, é fundamental que jamais abramos mão do amor ao conhecimento da verdade porque, sem esse amor, tornamo-nos facilmente escravos da mentira e acabamos ficando com os olhos e a consciência dissociados da realidade.
Clique AQUI – PARA LER OUTROS ARTIGOS