Camila Kramer é uma jovem mulher bonita, meiga, até passa a ideia de fragilidade.
Quando conversamos com a arquiteta Camila, encontramos uma mulher que sabe o que quer, que se posiciona na vida, na profissão e na vida pessoal, meiga sim, frágil não.
Uma feminista que aprendeu na vivência que na vida o radicalismo não tem lugar.
Uma mulher que não tem medo de rever ideias, que acredita em toda forma de viver e amar, todas merecem respeito e acolhimento.
Descobrimos uma libriana super criativa, justa, que prefere levar prejuízo a prejudicar o outro, que é muito organizada. Gosta de organizar festas e viagens, que é uma líder nata.
Uma pessoa que é metódica, perfeccionista, que quer antecipar todos os problemas, sofre por coisas que não vão acontecer, preguiçosa para o serviço de casa, na verdade, qualquer serviço da casa é sinônimo de sofrimento.
Camila Vicente Kramer
É uma pinhãoense de 33 anos, filha de Terezinha Aparecida Vicente e Carlos Eduardo Almeida Kramer, irmã da Carolaine Aparecida Iense.
Fatos do Iguaçu
Escolheu contar um pouco da vida dessa pinhãoense para homenagear todas as mulheres que no seu dia a dia se constroem, se descobrem, contribuem para a transformação do mundo e das pessoas que a cercam.
Uma infância na fazenda
“Uma delícia de infância, eu morei no interior até os 14 anos, e a minha irmã nasceu quando eu tinha 13 anos, assim fui filha única até os 13 anos. Minha infância foi bem natural, de subir em árvore, livre, gostosa”.
Essa vivência na fazenda, podendo estar realizando muitas peraltices e travessuras, formou a base do ser Camila hoje, “Sou hoje criativa na minha profissão, enquanto criança, eu explorei muito a minha criatividade, não fui de ter muitos brinquedos caros, mas eu inventava muito e qualquer coisa virava brinquedo e brincadeira. O que eu sou hoje, está muito ligado ao ambiente ao que vivi lá na minha infância”.
Da fazenda para Guarapuava
Camila vinha da fazenda para estudar no Colégio Santo Antonio, na sede do município.
No Ensino Médio, tudo se transformou, “Nunca fui te ter medo, com 14 anos fui morar sozinha em Guarapuava para estudar, aos 17, fui para Maringá. Sempre fui independente, viajar sozinha nunca foi problema para mim, eu nunca fui de ter medo, vou lá e enfrento. Minha mãe queria ficar louca comigo por causa desse meu jeito. A primeira vez que precisei ir a São Paulo, ela foi comigo, com medo que me acontecesse algo, muitos risos”.
A chegada da irmã
Uma coisa que foi bem legal, é que nessa época nasceu a minha irmã Carolaine, que adoro, a minha mãe era muito apegada comigo, com o nascimento da minha irmã, meus pais não sofreram tanto com a minha ida para Maringá, isso me deixou mais livre, eu fui mais tranquila”.
Arquitetura
“A arquitetura veio do que vivi na infância, meus pais não tinham condições de estar comprando brinquedos para mim, mas eu ganhava dos primos, tinha as Barbeis e o Lego, ficava brincando de fazer casas, o dia inteiro montando a casa da Barbie, quando eu terminava de montar a casa, eu não queria mais brincar, não gostava de brincar com a boneca, a minha diversão era a montagem da casa”.
As artes
Camila sempre gostou de se expressar pelas diversas formas da arte, “Sempre fui ligada à Arte, em cada fase da minha vida eu me dediquei a uma, toco teclado, canto. No desenho me descobri, comecei a desenhar, vi que era uma coisa especial, para mim.
Pensei em fazer artes plásticas, mas sabia que essa área era mais difícil de encontrar campo de trabalho, decidi fazer Arquitetura, que tem campo e posso colocar minha criatividade desenhando, criando espaços”.
Maringá
A jovem Camila escolheu cursar Arquitetura em Maringá, descobriu um novo mundo “Sempre fui decidida, não sofro com as consequências, ou seja, sabia que para fazer arquitetura eu tinha que ficar longe dos meus pais e trabalhei isso legal”.
Choque cultural
“Em Maringá, vivi um choque cultural muito grande, conhecia a arte pelo que via na televisão, na escola, quando cheguei lá, vi que a arte é muito maior, conheci gente que trabalhava com música, teatro, pessoas com pensamentos diferentes, abertos, foi maravilhoso”.
Choque de realidades
“Quando vinha para casa, meus pais ficavam loucos, porque eu falava de tudo que estava descobrindo e cobrava que eles tinham que abrir mais os horizontes, querendo mudar a cabeça deles, tive nessa época bastante atritos com meus pais, estava convivendo com novos pensares, horizontes, jeitos de viver, a gente deslumbra, descobre como há diversidade no mundo e quer que todo mundo enxergue o mundo por esse prisma’.
A faculdade teve seus tropeços
Camila conta de forma muito espontânea que no primeiro ano da faculdade ela se deslumbrou com a cultura e com as festas, “Vivi a faculdade intensamente, fiz tudo que um acadêmico faz de festa e meus pais sempre confiaram em mim, eu fervia, mas sempre tive a consciência que tinha que estudar, levar as duas coisas”.
Mas, no primeiro ano, as coisas se complicaram um pouco, “No início me deslumbrei com as festas, com tudo de novo que encontrei em Maringá, mas sentia que estava abusando da confiança e do dinheiro dos meus pais, isso me fazia mal, no segundo ano decidi dar um tempo”.
Ela deu um susto nos pais, “Não quero voltar para a faculdade esse ano, não estou valorizando o dinheiro de vocês, eles se assustaram e até acharam que eu estava grávida, (muitos risos). Não estava madura, parei, me restabeleci, no final daquele ano meu pai me disse: “Ou volta para a faculdade ou fica, faz outro curso e te dou um carro”, a ideia de ter um carro mexeu comigo, mas eu sabia que minha realização seria fazendo arquitetura”.
A festeira virou nerd
“Voltei e virei nerd, foram 3 anos de faculdade saudável, saía, mas com limite. Tirei 100 no meu TCC.
Ser Arquiteta
“Minha realização, minha felicidade, adoro criar, meu escritório é meu ateliê, meu mundo.
Quero sempre fazer o melhor por mais simples e pequeno que seja o projeto. Gosto muito de aprender, pergunto sempre, aprendo com os mestres de obras, nesse ponto sou humilde.
Ser arquiteta exige muita responsabilidade, indiretamente, lidamos com o dinheiro das pessoas, às vezes elas economizaram uma vida para fazer a casa, que é um sonho, temos que ser capazes de conversar e captar esse sonho, vamos indicar a forma que ela vai gastar o tão suado dinheiro, a responsabilidade é imensa, mas, amo de paixão”.
“Aprendi que não há perfeição”
Nos meus 10 anos de profissão, aprendi que a gente não é bom o tempo inteiro e 100% perfeito, às vezes não conseguimos chegar bem no que a pessoa quer, mas na maioria das vezes as pessoas ficam muito felizes, é bom ver que conseguimos ajudar alguém a concretizar o seu sonho”.
De Maringá para Guarapuava
Vim de Maringá para Guarapuava, trabalhava num órgão do governo de fiscalização de obras, que era uma pós-graduação e Lato Sensu, como era tipo estágio, trabalhava 6 horas diárias, assim me deixava tempo livre para trabalhar nos meus projetos particulares.
O amor
Um ano depois de formada, o encontro do amor, Camila esbarra com o hoje seu companheiro e arquiteto, Thômas Edson Valenga.
“Eu tinha 24 e o Thômas 20 anos, ele cursava a faculdade de Análise de Sistema, só que não ía na faculdade, ficava lá em casa, porque já não estava gostando do curso, essa convivência, fez com que conhecesse a arquitetura e a liberdade que ela dá de trabalhar em qualquer lugar, ele trocou de curso.
Quando nos conhecemos, estávamos numa fase de muita festa, eu recém-formada, morava sozinha em Guarapuava, meio independente porque já trabalhava, mas meus pais ainda me ajudavam.
Foi o encontro de dois loucos que curtiam festas, o viver a vida, as pessoas diziam: Vocês vão se matar, juntou a fome com a vontade de comer, nós fervia o Ki suco, porém, ao contrário do que as pessoas imaginavam, começamos a diminuir as festas, na verdade começamos a viver o nosso relacionamento e no começo é assim, os casais buscam ficar só eles.
Fomos ajudando um ao outro, o Thômas tinha trocado a faculdade de administração por Arquitetura, eu buscando meu espaço como profissional. Nós dois precisávamos mudar, um foi o estímulo para o outro e estamos juntos há 10 anos”.
Escritórios Independentes
“Temos escritório separado para respeitar o ser profissional de cada um, o estilo e o jeito de trabalhar que cada um tem, mas estamos sempre um envolvido nos projetos do outro”.
Machismo:
Ser arquiteta é conviver com espaço de predominância masculina e isso, claro, fez com que Camila tivesse que enfrentar o machismo.
“Quando me formei, percebia que as pessoas me olhavam e viam uma menininha, me sentia assim, tinha muito medo de chegar.
Porém, isso foi bom porque eu chegava humilde, mas era evidente que muitos pensavam, “essa menininha ai quer o que, não me davam bola, sofri bastante, porque as coisas não saíam do jeitinho que eu queria”.
Hoje, a menininha tem um currículo que inclui várias obras realizadas com sucesso. “Alguns ainda veem a menininha, mas hoje tenho bagagem”.
Camila conta que cantada nunca recebeu, nem dos mestres de obra ou engenheiros, “Cantada nunca, não me tratavam bem, porém fui chegando devagarinho, respeitando o espaço e conhecimento deles e conquistando o meu espaço. Hoje, com esses mesmos empreiteiros, damos risadas juntos nas obras. Graças a Deus hoje os empreiteiros me indicam, eu os indico, alguns viram amigos”.
Hoje ainda encontro clientes que fica nítido que eles não confiam muito no trabalho por ser uma mulher, isso me afeta, preciso trabalhar comigo quando ocorre. Nós mulheres temos que aprender a lidar com a situação que temos que provar duas vezes que somos capazes, mas já lido bem mais de boa que no início da carreira.
“Amo Pinhão”
“Desde pequena eu queria sair do Pinhão, descobrir novos mundos e não voltar mais.
Quando fazia a faculdade, pensava em me formar, ir para São Paulo, porque sabia que era lá que as coisas aconteciam no setor da Arte.
Quando voltei para Pinhão, eu sofri no começo, o sentimento era de derrotada, acabei voltando por causa de oportunidade profissional.
Hoje, amo morar aqui, a minha casa é duas quadras do meu trabalho, a casa da minha mãe e da minha sogra é pertinho, conheço todo mundo, as dificultadas podem ser compartilhadas, amo, amo morar aqui”.
Camila é
“Transformação constante, a gente vai se transformando e acho isso maravilhoso, eu mudei muito por causa das situações dos lugares que eu vivi, eles foram me construído.
Quando pequena, minha mãe me ensinou a ser independente, na adolescência, aprendi que sou mulher, posso ser o que desejar.
Na faculdade, compreendi o que é esse ser feminista, e era radical, não queria casar e nem ter filhos.
Agora, casada, vejo que ser ou não casada não interfere no ser feminista e lutar por um mundo que respeite as mulheres. Já penso ser mãe, sei que será outra transformação.
Enfim, sou uma metamorfose, mudo, mudo os pensamentos, o jeito de ver a vida e de viver lá.
Mas sofro com essas transformações porque me leva a muitos questionamentos e claro, estar sempre buscando, lendo, mas amo estar sempre aberta ao novo, à evolução.
Ser feminista
È estar lutando constantemente contra o pensamento, as atitudes machistas, sejam do companheiro ou de outras pessoas. Nossa função é dialogar, conversar, buscar, descontruir esse pensamento.
É preciso persistência, disposição a ensinar, compartilhar ideias com o marido, amigos e todas as pessoas que ainda têm ideias incrustradas de machismo, é preciso ajudá-los a descontruir essas ideias.
Hoje a gente tem mais voz, as pessoas falam das questões femininas, das desigualdades e temos que aproveitar os espaços e nos posicionar.
Ser Mulher
Ser mulher hoje é um pouco mais fácil do que foi para minhas avós e para a minha mãe, podemos ser o que quiser, antigamente só podia ser professora, e olha lá, as mulheres tinham muito medo e tabus, a mulher não se sentia no direito de ter uma vida sexual de qualidade.
As poucas mulheres que quebravam esses padrões eram vistas como putas. Ser alegre, era errado, tinham que ser sempre muito quietinha, bonitinha.
Ser mulher é ser uma pessoa que tem que enfrentar muitos desafios num mundo patriarcal, ao mesmo tempo, é algo sensacional, acho que é o melhor gênero para se nascer, a mulher tem um papel muito importante porque, além dela gerar a vida, tem um olhar acolhedor, aceita melhor as transformações. Hoje é preciso equilibrar essa energia feminina que acolhe, que promove o equilíbrio, que estimula ao ir além, dentro da família, mas que pode e deve quando desejar ocupar seu espaço no mundo, na sociedade.
Cuidado com os padrões
É importante que a mulher cuide de si, que se curta, que se olhe, que faço exercício físico. Sem ficar louca com isso.
Porque hoje também tentam nos impor padrões de comportamento e beleza.
Na minha adolescência sofri com o distúrbio de imagem, sempre tive um corpo mais cheinho, perna grossa, bunda e as pessoas estavam sempre me lembrando que eu tinha engordado um pouco e me mandando ter cuidado.
Essa cobrança me fez mal, me enxergava bem gorda, que eu era horrível, hoje vejo as fotos me pergunto que gorda, me olhava no espelho, me sentia feia, na verdade eu podia ter maior auto estima do mundo.
Eu, do jeitinho que era, era bonita e não tinha essa consciência, hoje faço exercício pela minha saúde e sem ficar louca, me curtindo. Sou bem resolvida, me acho bonita, uma vez por semana tem que se cuidar, ir fazer a unha, se amar, sair com as amigas.
Mulheres que marcaram
“A minha mãe é meu tudo, forte, determinada, (entre muitos risos), eu estou virando ela, às vezes a gente até critica o jeito da mãe falar, porém, estou cada vez mais parecida com ela.
A gente bate muito de frente, mas ela é minha base, sinto muito orgulho dela, tudo que sou foi graças a ela, que conseguiu me incutir a importância de estudar, sou arquiteta por insistência da mãe.
Outa mulher é minha tia Maria Joana, ela é uma pessoa que me espelho, na parte de estudar.
A minha sogra, eu admiro muito, ela é sempre para cima, eu me considero filha dela.
Vó Isolina
A mãe do meu pai, que morreu quando eu tinha 5 anos. Sempre penso nela, é uma lembrança gostosa. Me inspira a viver a vida, a ser feliz.
Ela era uma mulher rica, mas, como as mulheres de sua época, submissa, meu avô não deu o valor que ela merecia. Ela se submeteu á vida imposta por ele.
Teve câncer, era uma pessoa feliz. Acompanhei os últimos anos dela com leucemia, nunca vi ela triste, chorando, muito pelo contrário, sempre feliz.
Hoje eu penso, vou honrar a memória dela vivendo, sendo a mulher que ela não pôde ser. Usufruir do que ela não pôde… Ela é um estímulo para mim.
O que você diria para a Camila menina
Você está no caminho, continue assim, levando do seu jeitinho que antes dos 40 você vai estar muito feliz e realizada no trabalho e no amor, claro, com muito a realizar e construir.
Daria um conselho, só seja menos desobediente, compreenda mais teus pais, menos baladeira e festeira.
Para as mulheres:
Não se cobrem tanto, seja na questão estética, na questão de dar conta de tudo com perfeição, lembrar que tudo passa.
Tenham um olhar crítico das situações para não serem subjugadas, estar alerta ao machismo, ter força de enfrentar essas situações. Que estudem, que se permitam conhecer pessoas que pensam diferente, que isso é muito bom para evoluir. Sempre escutar, mas sempre questionar. Ser mulher é lutar em dobro, tem que fazer e provar que está bem-feito.
A Camila Hoje é…. mulher que está formando uma família, uma arquiteta que está trilhando um início de carreira, ela está nesse meio tempo buscando a cada dia melhorar mais, reconhecendo os erros.
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