Por Humberto Pinho da Silva
Resguardada do ardor da tarde sob frondoso castanheiro, na cercania de carriça transmontana, a velhinha fia.
Tem o rosto sulcado pela goiva do tempo. Olhos apagados, lábios finos, boca desdentada, e tez crestada, da cor de centeio.
Fia; e o fuso: gira…gira…gira… pressionado pelos descarnados dedos.
Foi moça fagueira; esbelta, de farta cabeleira calamistrada e viçosa face da cor de nácar.
Casou… Foi mãe.
Criou filhos, que abalaram…
Todos partiram: uns, para o Céu; outros, em demanda de vida melhor…
Ficou; mergulhada em saudade e cuidados de quem a deixou.
De tempo a tempo, telefonam, escrevem…
Prometem interná-la num lar…
Daqueles que guardam pais e mães, que deixaram de serem prestáveis.
Cuidou dos filhos com esmero: ajudou-os a darem os primeiros passos; a comerem; à mesa; aparou-lhes a baba viscosa, que escorregava do beiço; enxugou-lhes o húmido nariz; branqueou-lhes a roupa enegrecida pela traquinice; passou horas de angústia à cabeceira do berço…
Os meninos eram tudo, e tudo era para eles.
Agora, é a mãe que carece de mão amiga: quem a ampare; quem cuide; quem lhe lave a veste enodoada; quem lhe apare as unhas endurecidas; quem a desvele com carinho.
Para que nada lhe falte.
Mas os filhos não têm disponibilidade…
Olvidam, que chegou o tempo de retribuírem; esquecem-se de pagarem – os cuidados, os carinhos que receberam…
Meditando, a velhinha fia.
E o fuso: gira…gira..gira…
Pelos desgastados olhos, desenrolam-se cenas amorosas, recreações pueris, que a memória guardou, com amor.
Agora só Deus permanece…
Só Ele ficou…
Os gerados pelas suas entranhas esquecem-se, que: a felicidade, o diploma, a riqueza que gozam, é fruto daquela velhinha, que junto ao carriço, arrimada ao secular castanheiro: fia… fia… fia…
Zagaziantes lágrimas de saudade, docemente escorem pela face encarquilhada:
-” Coitados! Têm muito que fazer…A culpa é das mulheres… trabalham muito. Como gostava de estar na companhia deles!…”
Leve sorriso amoroso, alastra-lhe pelo rosto tisnado…
E o fuso: fia…fia…fia…
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