Vinícius de Moraes contava que, certa feita, uma tia-avó sua havia lhe dito que, numa noite dessas, que se extravia pelas ruelas da memória, um passarinho, digo, uma pomba, toda branquinha, tinha pousado na janela da sala da sua casa.
A senhora, que segundo o poetinha era muito boazinha, foi se aproximando lentamente da janela e, com docilidade, conseguiu pegar o bichinho sem muito esforço e, a pombinha, segundo ela, era tão graúda quanto mansinha.
Com a ave em suas mãos, reparou que havia numa de suas patinhas um anel metálico e que nele tinha alguma coisa escrita.
Vinícius, que era um moleque curioso da moléstia, mais do que depressa, com sua imaginação a mil, perguntou para a sua titia se o pombo do causo, por acaso, não seria um “pombo-correio”. A tia sorriu discretamente, olhou para o nada por alguns segundos e, em seguida, voltou a mirar os olhos do seu sobrinho-neto, dizendo-lhe que, de fato, era um bichinho tão bonitinho quanto mansinho, enfatizando, de forma plácida, que ela gosta muito de pombo.
Pois é. A senhora não respondeu a pergunta feita por ele. Para poder mudar de assunto de forma educada, ele perguntou para sua tia que fim levou o tal passarinho e ela, laconicamente, respondeu: “Ué! Eu o comi”.
Que barbaridade, hein? Mas é assim mesmo e, obviamente, que a vida da gente acaba sendo mais ou menos do mesmo jeitão mal acabado. Na verdade, de certa forma, é isso o que todas as ideologias, cada uma no seu troteado, faz conosco: alimenta em nós uma doce ilusão e, quando menos esperamos, ela nos dá um tombo de vereda.
Dito de uma maneira diferente, muitas e muitas vezes lá estamos nós, acompanhando uma série, assistindo um filme, lendo um bom livro e, é claro, por estarmos acompanhando o ritmo dos fatos e acontecimentos apresentados pelos mesmos, acabamos por gerar em nosso íntimo uma certa expectativa em relação aos próximos capítulos e, muitas das expectativas que vamos desenhando em nossa cumbuca acabam por se concretizar e, quando isso acontece, temos aquela vaidosa sensação de satisfação pra lá de macanuda. Sensação essa que termina por nos dar a impressão de que estamos não apenas entendendo tudo o que está acontecendo, mas também e principalmente, que estamos com tudo sob controle.
Aí, do nada, eis que vem a roda-viva da história e bagunça toda a bagaça, destroçando aquela sensação gostosinha de uma postiça onisciência que nos empolgava até a véspera, deixando-nos apenas com nossa cabal impotência diante dos fatos e acontecimentos da trama que compõem a vida das personagens.
Sim, é um misto de frustração e, ao mesmo tempo, de encanto, porque é isso que a revelação da verdade faz conosco: faz-nos mudar as expectativas, reelaborar as perguntas, reordenar as prioridades e, é claro, transubstanciar a nossa maneira de ser, jogando na lata do lixo todas as idealizações e ideologias furibundas que tanto nos empolgavam até então.
Obviamente, tais observações a respeito das histórias ficcionais que roubam a nossa atenção e, muitas vezes, conquistam nossa admiração, são muito mais válidas para a forma como nós acompanhamos os fatos da vida que integram a história, imediata e remota, da nossa triste terra de desterrados.
Por fim, como todos nós sabemos muitíssimo bem, as aparências enganam, mas não apenas elas, não exatamente elas. Na verdade, grande parte dos enganos que nos engambela são produto de nossa incrível incapacidade de reconhecer o óbvio que, devido às inúmeras imagens ideologicamente distorcidas que temos em nossa moringa pensante, no frigir dos ovos, nos levam inúmeras vezes a fazermos uma confusão dos infernos.
Confusão infernal essa que muitos, por um afeto indevido e indecoroso a uma ideologia, preferem chamar de “consciência crítica”, mas que, como todo mundo sabe muitíssimo bem, não passa de uma crítica desorientação de almas atordoadas que tomam por religião essa mesma parva ilusão ideológica que pulsa em seu coração, que promete corrigir tudo, tudinho, nos mínimos detalhes, menos a sua maneira canhestra de ser.
Escrevinhado por Dartagnan da Silva Zanela
https://sites.google.com/view/zanela
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