“Malandro que é malandro não bobeia. Se malandro soubesse o quanto é bom ser honesto, malandro seria honesto só de malandragem”. Assim nos canta Jorge Ben Jor em uma de suas belíssimas canções e, minha querida avó, que Deus a tenha, também, sempre me dizia que o malandro que se preze deve ser capaz de dar até nó em pingo d’água. E o pior é que dão.
Enfim, malandro é o que é e sempre acaba encontrando um otário, como a gente, para exercitar os seus malabarismos mil e, de todas as suas piruetas, uma que realmente merece um destaque especial na enciclopédia universal da malandragem é essa conversa toda – cheia de pose e afetação – em torno do que a grande mídia, e seus devotos e acólitos, convencionaram chamar de Fake News.
Na verdade, quando paramos para refletir um cadinho sobre isso, à luz das páginas da obra distópica “1984” de George Orwell, compreendemos – mesmo sendo um todo como esse que vos escreve – que a “Checolândia”, formada pelas autodenominadas agências de checagem, seriam simplesmente um mecanismo pra lá de sutil de filtragem das informações, um “Ministério da Verdade”, logo, um eficaz mecanismo [extraoficial] de censura.
E seu modo de operação é tão inteligente quanto divertido.
Primeiro, verifica-se um monte de reportagens tolas sobre assuntos bobos que não tem nenhum impacto sobre a vida de absolutamente ninguém. Isso mesmo. Junta-se um monte de meras curiosidades superficiais, devidamente desmascaradas, para que as pessoas possam, em suas conversas vazias, terem algo “interessante” para falar e, quem sabe, conquistar a atenção de seus interlocutores monótonos.
Ao fazer isso, a “Checolândia”, malandramente, conquista alguma credibilidade junto ao público que passa a reconhecer uma suposta competência nos serviços realizados na verificação de uma infinidade de banalidades sem grande relevância. Mais que credibilidade, eles conquistam a afeição do público e, em um mundo de afetos desordenados como o nosso, afeição é tudo. Quase tudo.
Ao conquistar essa estrelinha, aí entre as futilidades irrelevantes, a “Checolândia” começa a colocar inúmeras informações relevantes que passam a ser rotuladas com o selo de Fake News e com o carimbo que afirma: “nós chegamos”; logo, “é isso mesmo”.
E detalhe importante: qualquer coisa pode ser classificada como sendo uma Fake News, porque Fake News não é um conceito. Não. É apenas uma figura de linguagem, pra lá de elástica, utilizada como uma expressão não-significativa e, enquanto tal, pode dizer tudo e, ao mesmo tempo, não explicar nada. Tudo depende apenas do que será afirmado pelo usuário do termo e da credibilidade que ele irá imprimir sobre o mesmo.
Para ficar mais claro ainda, lembremos que aquilo que se convencionou ser rotulado de Fake News pode ser uma matéria mal elaborada, ou uma notícia comunicada às pressas, ou uma informação de fonte duvidosa, ou um fato fora de contexto, ou uma conjuntura descrita de forma imprecisa, ou uma verdade maliciosamente distorcida, ou uma mentira deliberada comunicada com linguajar acadêmico, enfim, a lista é imensa. Porém, muitas vezes, o alvo do infame selo pode ser – e acaba sendo – uma verdade inconveniente.
Por isso, é importante que entendamos que a palavra “checamos” pode significar muitas coisas, muitas, inclusive, “distorcemos”, “manipulamos”, “ocultamos”. E esse é o grande problema de colocarmos a credibilidade acima da veracidade. E se não sabemos a diferença que há entre uma e outra, é sinal de que estamos bem encrencados.
Doravante, há um traço que sempre é levado em consideração pela turma da “Checolândia”: quem está comunicando a “hipotética Fake News” e qual é posição política na qual o comunicador pode ser enquadrado, principalmente se ele estiver comunicando algo que seja considerado como sendo uma verdade inconveniente pelos “checadores” e por seus parceiros de caminhada ideológica.
Se o suposto propagador de Fake News é parceiro ideológico dos iluminados da “Checolândia”, esse não receberá, de jeito maneira, o selo infame de “propagador de Fake News”, mas apenas uma leve advertência de que ele supostamente cometeu um erro na apuração dos fatos, ou algo similar [imaginando o pior dos cenários, é claro].
Agora, se esse indivíduo estiver no lado errado do espectro ideológico, meu amigo, meu amigo do Céu, aí se foi o boi com a corda. Mesmo que tenha apenas cometido um erro involuntário; pior, se ele cometeu o disparate de dizer uma verdade inconveniente, lascou-se tudo: ele será estigmatizado, e receberá a maldita e infame marca de “propagador de Fake News” para todo o sempre (agora imaginem uma risada macabra).
Aí meu peixe, acaba-se com a confiabilidade de qualquer um que seja inconveniente para as hostes totalitárias. Por isso que essa conversa toda de Fake News é, no fundo e na real, um sofisticado mecanismo de difamação, um elegante e limpinho instrumento de destruição de reputações.
Também é importante lembrarmos, e não nos esquecermos, que a criação das autodenominadas “agências de checagem” são uma reação da própria grande mídia – que nunca foi vista pela população, de um modo geral, como um esteio de credibilidade – frente a sua derrocada, ladeira à baixo, com o advento da internet, que permitiu que as pessoas pudessem confrontar o que era apresentado pela grande mídia, e pelo establishment diplomado, com outras fontes de informação, inclusive com fontes primárias, e assim, desse jeitão, melhor se informar.
E é importante lembrarmos que informação não é poder. Não. O que é poder – em estado bruto – é o controle que pode ser exercido sobre o fluxo das informações. Controle esse que os grandes conglomerados de mídia, e a oligarquia das classes falantes, perderam com a revolução das mídias eletrônicas e que, hoje, eles tentam reaver através da proposição de mecanismos sutis de controle e vigilância do fluxo das informações que está cada vez mais descentralizado e distribuído.
Sem o controle do fluxo das informações, a grande mídia, o assim chamado quarto poder, vê-se anêmico, enfraquecido, pois, por exemplo, na mesma hora que um cidadão comum vê algum recorte feito por um telejornal sobre a CPI da Covid, ele poderá, com seu celular, assistir outra interpretação sobre o referido acontecimento noticiado e distorcido e, é claro, comparar com outros recortes mais amplos, e sem mutilação, desse circo armado na forma de uma comissão parlamentar de inquérito e, desse modo, chegar a uma conclusão que lhe pareça mais razoável. É. E isso, de fato, assunta os donos do poder.
E como hoje a informação flui livremente, o jornalismo de teleprompter, de agenda política autointitulada progressista, agoniza. E agoniza porque suas lorotas, ditas com elegância e com voz empostada, podem ser desmentidas por qualquer caboclo meio tongo, como esse que vos escreve, desde que tenha um cadinho de paciência e persistência e, é claro, saiba usar com um mínimo de destreza essa ferramenta tão útil quanto perigosa que é um aparelho celular.
Enfim, as águas têm de manar, o tempero deve fluir e, com eles, a informação. Qualquer um que diga o contrário, com o perdão da palavra, está de malandragem, porque, como nos ensina o mestre Jorge Ben, “Malandro que é malandro não bobeia. Se malandro soubesse o quanto é bom ser honesto, malandro seria [intelectualmente] honesto só de malandragem”.
Ah! Antes que eu me esqueça: sabe aquela história das vacinas vencidas que foi divulgada pelo jornal “Fôia do Seu Paulo”? Pois é, segundo levantamento feito pelo site Senso Incomum, era uma Fake News que não foi verificada por nenhuma agência da “Checolândia” e, é claro, não recebeu o carimbo de Fake News e, não recebeu, provavelmente, pelas razões ululantes apresentadas nestas linhas tortas. E é claro que a “Fôia do Seu Paulo” disse “erramos”. Ela não afirmou que propagou [malandramente] uma “Fake News”.
Enfim, para essa gente limpinha e politicamente correta, verdades inconvenientes ditas pelos outros é “Fake News”; agora, desinformação – dita pelos “donos da credibilidade” que lavoram no “Ministério da Verdade” – que acaba sendo desmascarada, seria apenas um “errinho”, só um erro, e nada mais.
Escrevinhado por Dartagnan da Silva Zanela