Redação Fatos do Iguaçu
Uma mulher procurou a Justiça para ser reconhecida como mãe de uma criança nascida durante seu casamento homoafetivo. Segundo informações do processo, apesar do desejo e dos planos de terem um filho, as duas mulheres não possuíam condições financeiras para realizar o procedimento de reprodução assistida em uma clínica. Assim, a ré engravidou após inserir o sêmen de um doador em seu ventre por meio de uma seringa. O homem não criou empecilhos para que ambas registrassem o bebê e, expressamente, abriu mão da paternidade da criança.
Após o parto, na Declaração de Nascido Vivo (DNV), o nome da autora da ação foi colocado no campo “nome do pai”, pois o formulário não estava adaptado à realidade social da homoparentalidade. Apesar da existência de uma declaração assinada pelo doador do material genético a respeito do procedimento e do seu desinteresse em exercer a paternidade, o Ofício de Registro Civil não aceitou colocar o nome das duas mulheres como mães na certidão de nascimento.
De acordo com a autora do processo, a negativa foi fundamentada no fato de que não havia laços consanguíneos entre ela e a criança. Desse modo, a única forma de registrá-la como sua filha seria por meio da adoção unilateral. Diante das dificuldades impostas, o registro civil foi feito apenas em nome da mulher que gestou a menina.
Separação e registro em nome do doador do material genético
Mais de um ano após o nascimento da criança, as duas mulheres se separaram e a autora da ação precisou mudar de cidade. A partir de então, a mãe biológica teria dificultado o contato da ex-companheira com a menina. Além disso, nesse período, o doador do material genético (cunhado da mulher que engravidou) reconheceu, espontaneamente, a paternidade da criança no Ofício de Registro Civil e passou a acompanhar a vida da filha biológica.
No processo contra os pais biológicos da menina, a autora, além de tentar ser reconhecida como mãe, pediu indenização por danos morais. Ela alegou que a atitude de registrar a criança foi “repentina” e “sorrateira”.
Reconhecimento da maternidade socioafetiva em 1ª instância
Em 1º Grau, ao analisar o caso, a Juíza reconheceu e declarou a maternidade socioafetiva pleiteada, constatando a existência de vínculo materno entre a menor e a autora da ação. O pedido de indenização por danos morais foi negado devido à inexistência de “qualquer comprovação cabal de que a vontade dos requeridos era prejudicar o reconhecimento da maternidade pela requerente”.
“Neste contexto familiar, de forçoso rompimento da convivência entre mãe e filha, é razoável concluir que com o passar do tempo o vínculo criado vai se abalando, especialmente porque a requerente não convive mais com a menor (…) e é justamente em razão disso que ele deve ser retomado. (…) Ora, a requerente faz parte da história da menor, afinal ela planejou seu nascimento, realizou tentativas de inseminação artificial caseira, acompanhou seu pré-natal, esteve presente no seu parto, teve contato diário no seu primeiro ano de vida, e agora ajuíza ação judicial para ter seu vínculo socioafetivo restabelecido”, ponderou.
O registro civil feito pelo pai biológico não foi questionado na ação e a magistrada destacou a possibilidade de “declaração de múltiplos vínculos registrais de parentalidade, sem qualquer distinção jurídica” entre eles.
Diante da decisão, a mãe e o pai biológicos da menina recorreram ao Tribunal de Justiça do Paraná (TJPR) e pleitearam a improcedência do pedido de reconhecimento da maternidade socioafetiva. Por outro lado, a autora buscou a reforma da sentença, pleiteando a compensação pelos danos morais vivenciados.
Sentença reformada por falta de vínculo afetivo
Considerando o melhor interesse da criança (hoje com seis anos de idade), o núcleo social e familiar em que ela está inserida e as informações do estudo psicossocial realizado, a 11ª Câmara Cível do TJPR, por unanimidade, afastou o reconhecimento da maternidade socioafetiva, bem como as demais determinações relativas à regulamentação de visitas, inserção de nome na certidão de nascimento e fixação de pensão alimentícia. Além disso, não acolheu o pedido de indenização feito pela autora do processo.
No acórdão, o Desembargador relator observou que não foi possível identificar qualquer resquício de vínculo socioafetivo entre a autora da ação e a menina. “No caso sob análise, houve a interrupção do contato entre a autora-apelada e a criança, e, por consequência, o desfazimento e perda do vínculo socioafetivo que estava sendo construído entre ambas, a partir do nascimento”, destacou o magistrado.
Enfatizando que a decisão judicial deveria causar o menor impacto social e psicológico possíveis, o relator ressaltou que, devido ao longo período de distanciamento, a criança não projeta na autora da ação a figura materna: “É possível concluir, com tranquilidade, que a ausência da autora-apelada em sua vida não lhe traz qualquer prejuízo”.
Fonte: TJ-PR