O dia amanhece, silente, com o suave toque dos raios do sol que se derramam sobre os arbustos com suas folhas orvalhadas. Amanheceu o dia e ele segue silente, aguardando que todos se alevantem para lavar o rosto, cuspir, escovar os dentes, tirar a água do joelho e pentear as melenas. Não necessariamente nessa ordem, mas, tudo isso deve ser feito antes de seguirmos para as lides do dia. Ao menos é assim que o seu Tibúrcio pensa.

O velho, desde meninote, levanta cedo. Antes de todo mundo. Inclusive do sol. Diz ele que é vergonhoso o astro rei pegar a gente na cama. Não é coisa que se faça. Segundo os ensinamentos do meu amigo, você pode até dar um cochilo após o almoço, mas não deve deixar que o sol te surpreenda na cama.

Bem, cada um com seu cada um. O meu velho amigo gosta de [ele mesmo] passar o café. Faz o fogo no fogão à lenha, coloca a chaleira com água pra esquentar e vai ajeitando a mesa. Coloca de tudo. Uma tora de pão caseiro, bolacha (ou biscoito? Tanto faz…), chimia de dois três tipos, queijo, salame, nata, margarina e tudo que tiver na cozinha.

Um pouquinho antes da água ferver ele pega a chaleira e começa a passar o café; e só para de fluir a água depois que a chaleira secar. Nada de deixar o coador baixar. Nada disso. A água tem de correr com constância, lentamente, para o matinal ficar do tipo. Ah! É claro, nada de filtro de papel. Tem que ser de pano, senão o café fica Nutella, segundo as palavras dele.

O cheirinho bão do café toma conta de toda casa e, com o cheiro de café passado, todos vão levantando e indo na direção da cozinha. Entenda que o todos na casa do nosso amigo é ele, a sua senhora e esse que vos escreve essas linhas mancas. Nessa ocasião, estava de visita na casa deles.

“Sente-se seu moço. Se abanque e não me faça cerimônia. Você é da casa.” “Bom dia seu Tiba!” “Bom dia? Já é quase boa tarde. Você estava amarrado na cama que não conseguia se levantar” “Menos seu Tiba! Menos. Já estava acordado faz um tempinho. É que a tranquilidade do mato nos convida a ficar na cama mais um tiquinho”. “Sei. Estou sabendo”.

Seu Tibúrcio serviu-me uma xícara de café e eu, sem demora, já me agarrei numa fatia daquela tora de pão caseiro e passei uma grossa camada de nata e outra de doce e mandei ver.

“Você é seco de ruim piá. Não te dão de come lá na cidade?” Com a boca cheia, sorri e disse: “Teu fiote velho. Tenho comida lá em casa também. Se quiser te levo pra comer lá. Mas esse pão da dona Tiburcina é de outro mundo”. “Olhe só! De maroto!” “Ele está apenas sendo gentil sem ser pegajoso meu velho. Largue mão de ser ranzinza”. “E eu estou sendo o que Mulher”? Os três riram e continuaram a comer.

Após pedir para alcançar o queijo e o salame, perguntei ao velho: “Seu Tiba”. “Diga maroto”. “O senhor tem visto as notícias?” “Graças a Deus não”. “Como assim?” “Larguei mão disso já faz um bom tempo. Pra falar a verdade faz uns vinte e tantos anos”. “Mas por que essa revolta toda?” “Não é revolta não piá. É apenas uma questão de método”. “Eila! Que tal o palavreado do homem. Fala-me mais”. Seu Tiba deu uma beiçada no café, uma mordida no pão e outra no tolete de queijo e, ainda com a boca cheia, disse-me: “Há várias razões para que eu faça isso. Várias. Veja bem: em primeiro lugar se você prestar bem atenção verá que praticamente todo dia é repetido basicamente as mesmas coisas. Parece até aquelas telenovelas de m…” “Olha os modos homem!” “Me desculpe meu amor. Parece até aquelas novelas ‘maaaaravilhosas’ que passam na televisão.

Você fica a semana toda vendo a mesma lenga-lenga sendo repetida e vai ficando ansioso para saber quais serão os próximos capítulos que, no frigir dos ovos, acabam sendo a mesma coisa”. “É. Verdade.” “Claro que é verdade! Minha filha mais velha me ensinou isso. Uma vez ela me disse pra ficar uma ou duas semanas acompanhando um ou dois telejornais e anotar as manchetes principais que apareciam em de cada um dos dias”. “E o senhor fez isso?” “Claro que fiz! Fiz por um mês inteiro e foi bem do jeitinho que ela havia me dito”. “Aí o senhor largou mão”. “Larguei”.

Servi mais uma xícara de café e seu Tiba continuou a palestrar sem dó. Mas também, quem mandou eu dar corda pro vivente. “Veja piá, eu acho muito engraçado esse povo todo que fica acompanhando tintim por tintim tudo que os jornais noticiam. Será que eles pensam que fazendo isso eles ficarão mais inteligentes?” “E isso não ajuda seu Tiba”? “Eu acho que não”. “Por que?”

“Porque o noticiário não te informa sobre o que você quer e precisa saber. O que ele faz é te apresentar um monte de perguntas prontinhas junto com as respostas mastigadinhas que eles dão o nome de ‘notícia’. Na verdade, os noticiários te informam sobre aquilo que algumas pessoas querem que você saiba”. “Então o senhor não acredita em objetividade científica e jornalística?” “É claro que não! Eu acredito em honestidade intelectual”. “Aprendeu isso com sua filha também?” “É claro”.

“Veja guri, eu não estou dizendo que os jornais estão mentindo o tempo todo sobre tudo porque eu não tenho como saber isso. Daria muito trabalho e eu tenho mais o que fazer. E tem outra! Quem disse que eu devo estar o tempo todo tomando o que é dito pela imprensa como sendo uma verdade inquestionável, como se a mídia fosse o centro da vida?

O problema, a grande encrenca é que as pessoas consomem as notícias de forma religiosa. Todo santo dia, praticamente no mesmo horário, elas se sentam na frente da televisão, ou pegam o celular, e ficam nessa ‘novena sem fim’, como se isso fosse torna-las pessoas melhores e mais sabidas. Mas não. Continuam sendo o mesmo caquedo de sempre”.

“Mas então como o senhor faz para se informar?” “Olha só mulher. Esse piá não para de me encher os pacovás”. “Não seja xucro homem, responda do guri”. “Eu me pergunto: por que eu devo me preocupar com isso que está sendo noticiado? Eu questiono a notícia, reflito sobre a sua real importância. Se me parecer realmente importante, irei me informar mais, confrontar pontos de vista divergentes e tentar entender o rolo. Caso contrário, vou cuidar das minhas obrigações e refletir sobre as coisas que realmente interessam”. “Entendi”.

“As pessoas perdem muito tempo discutido coisas de segunda grandeza e sem respeitar o senso das proporções. Aí não dá”. “Se viu só dono Tiburcina, o velho falou bonito”. “Sempre falo. E não só falo, eu sou bonito”.

Depois dessa pérola do seu Tibúrcio, todos nós rimos gostosamente e dona Tiburcina deu um peteleco no velho e disse: “pare de falar bobagem homem! E se já terminaram de comer levantem-se e vão logo pra lida que eu vou tirar a mesa”.

Escrevinhado por Dartagnan da Silva Zanela, 09 de maio de 2020, dia de São Pacômio.

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