Os inteligentes, inteligentinhos e inteligentões dizem por aí que as novas tecnologias tornaram o mundo menor, bem menorzinho, cabendo literalmente na palma da nossa mão, reduzindo as distâncias a uma ou duas deslizadas de dedos sob uma tela bem lisinha, seguidas de um ou dois toques com o dedo polegar e pronto: estamos em contato com alguém, ou nos tornando cientes de algo que aconteceu em algum lugar, cuja existência até então ignorávamos por completo.
Bem, ao menos é isso, mais ou menos isso, o que dizem os doutos e similares.
De minha parte, “sacumé”, não é bem assim que vejo a parada.
Não há dúvida alguma que as distâncias, de certa forma, se tornaram relativas após o surgimento e disseminação das novas tecnologias em comunicação, porém, as fronteiras que estabelecemos em torno de nós mesmos, ao que parece, se tornaram mais tacanhas do que nunca, reduzindo a área do charco de nosso pobre coração a um tamanho praticamente infinitesimal, não cabendo nele nada que esteja além do nosso umbiguinho.
A nossa principal interface com a realidade, atualmente, são os meios de comunicação, sejam as redes sociais ou a televisão e, tal interface, ao mesmo tempo em que agiganta nosso olhar, de certo modo, apequena nossa percepção do real.
O mundo, aparentemente, está tornando-se uma grande aldeia global duma tribo indeterminada e fluída, formada por curumins sem rosto, mas com perfil. Às vezes, com mais de um.
Muitos de nós acham isso maaaravilhoso e, de certa forma, realmente é. Abraçamos de peito aberto a ideia de fazermos parte dessa estrovenga que comunica e afirma tudo ao mesmo tempo em que, sutilmente, por distração colaborativa nossa, nega quem nós somos, relativizando a presença daqueles que estão a dois passos dum aperto de mão.
A distração é fácil; o entretenimento também e, quando nos damos conta, estamos vazios, despidos de nossa humanidade e, quando paramos e sentimos a realidade invadir nossas preciosas horas digitalizadas, nos envergonhamos, nos assustamos conosco por vermos que não apenas nos tornamos estranhos para os nossos, mas também e principalmente, acabamos nos revelando ilustres desconhecidos para nós mesmos.
É incrível como somos capazes de nos apequenar tanto, mesmo tendo tantas possibilidades de realização ao nosso alcance. É incrível como podemos nos dispor a, preferencialmente, optarmos pelo o que há de mais mesquinho para nortear as nossas escolhas.
Pois é, nos apequenamos a tal ponto que julgamos que as taipas limítrofes de nossa pátria umbilical seriam uma espécie de grande ponto arquimético e, com o apoio de uma alavanca egocêntrica, seríamos capazes de mover o mundo com a insustentável leviandade, tão bem cultivada, que há em nosso ser.
Bah! Que coisa hein. Mas é. Nos impressionamos facilmente com a enxurrada de informações que permitimos que sejam derramadas sobre nossa moringa pretensamente pensante ao mesmo tempo que negamos um aceno, uma cortesia, um sorriso que seja, para aqueles que são feitos de carne e ossos e que estão nos dirigindo a palavra, seja pessoalmente, cara a cara, ou à distância de alguns caracteres.
Nos assombramos com as imagens que chegam até as venezianas de nossa alma através das janelas digitais, mas nos tornamos insensíveis às digitais do mundo que chegam ao portão de nossa casa e batem na porta de nossa alma.
Espere aí! Não estou dizendo, de jeito maneira, que a internet seja ruim, ou um tipo de praga apocalíptica. Não. Apenas penso que ela é um baita espelho que, com sua trama de fios e linhas virtuais, acaba nos revelando o quão torpes nos tornamos, degradados ao ponto de não mais sermos capazes de nos reconhecer caso sejamos momentaneamente apartados de parte das idolatradas distrações que compõe o nosso soturno dia a dia e que tanto nos ajudam a seguirmos em frente para lugar algum, ignorando tolamente quem somos e, principalmente, fazendo pouco caso de quem deveríamos ser.
Enfim, esse lugar ficcional, chamado aldeia global, que tanto nos fascina, reúne inúmeras tribos que, em grande medida, se ignoram. Reúne inúmeras almas que se alfinetam e se desprezam. Pior. Por sentirmo-nos membros dessa aldeia digital acabamos muitas vezes nos esquecendo da presença real dos membros da nossa tribo, dos nossos companheiros de viagem, estejam eles ao nosso lado, ou à distância de uma cutucada num celular. E fazemos isso sem nos darmos conta do quão frívolo é esse nosso jeitão hitec de ser.
Sim, o bagulho é doido meu amigo, mas, me parece que é mais ou menos assim que a banda larga toca, porque, no frigir dos ovos, tudo aquilo que é flácido e fútil acaba se desmanchando rapidinho no ar duma quarentena. E não há nada mais gelatinoso nesse mundo do que uma alma conectada a tudo e, ao mesmo tempo, desligada do próximo.
Escrevinhado por Dartagnan da Silva Zanela, em 31 de março de 2020, dia de São Benjamin.