Afinal de contas o que seria essa tal de democracia que tanta gente diz identificar-se de corpo e alma?  O que será? Onde ela vive? O que ela faz? O que come?

Com frequência vemos pessoas, bem ou mal intencionadas, jurarem com os pés juntos que são profundamente democráticas e que o são, inclusive, quando estão tomando banho ou dormindo, como se, tal jura, projeta-se sobre suas carcaças uma aureola angelical sem par. Como se fossem santinhos seculares.

Bem ou mal intencionadas, tais pessoas acreditam mesmo que se elas se apresentarem publicamente como democráticos baluartes duma e doutra minoria, melhor, de toda e qualquer minoria, tal declaração, por um misterioso processo alquímico, as transformaria em seres humaninhos melhores, infinitamente superiores que a média geral das pessoas.

Pois é. Sobre isso – a tal da democracia, que não sai da boca dessas alminhas – de memória, ocorre-me três observações feitas por três senhores.

Uma foi feita por Robert Michels, que dizia, sarcasticamente, que a democracia seria apenas uma forma diferentona de organizar as oligarquias e isso, amiguinho, não deixa de ser verdade.

A outra seria de Bakunin, que, laconicamente, afirmava que a democracia seria tão somente a ditadura da maioria e isso, de certa forma, também é verdade.

A terceira é da lavra de Cornelius Castoriadis, que afirmava, ironicamente, que quando o eleitor sufraga um voto numa urna, ele o faria movido pela ilusão de estar influindo decisivamente nos rumos da sociedade, de modo similar a um cristão católico que acredita estar recebendo o corpo de Cristo na comunhão. Bem, no caso da comunhão, sim, é verdade; é o corpo de Cristo que está diante de nós. Quanto ao voto, sempre tenho lá minhas dúvidas, e não são poucas, sobre o seu poder.

Sim, cada uma das observações tem lá o seu tom de exagero, mas também tem o seu “Q” de verdade. Em um baita “Q” de verdade, diga-se de passagem.

Na realidade, se prestarmos a devida atenção, mesmo que seja só um pouquinho, rapidamente perceberemos que tais ilações democráticas – que muitas das esquerdas adoram bradar aos quatro ventos, como se fosse um mantra hindu – não passam de flatos retóricos, porque, em regra, tais declarações de apoio irrestrito a todas as supostas minorias, eivadas sob o manto da tal “plenitude democrática”, na realidade, acabam sempre sendo condicionadas à adesão das assim chamadas minorias a uma determinada agenda ideológica que, diga-se de passagem, não é nem um pouco democrática e são redigidas, ponto por ponto, linha por linha, por mãos totalitárias.

Se o integrante duma minoria rezar direitinho na cartilha progressista, sem jamais pisar fora da linha vermelha, o indivíduo será incensado até o crepúsculo dos dias.

Agora, amiguinho, coitado de qualquer um que não andar na linha ditada pela agenda “progressista” dessa gente sumamente “democrática”! Aí sim você verá o que é a tal da intolerância dos autoproclamados “tolerantes”.

Resumindo: o amor dessa gente “sumamente democrática” pela democracia, dessa gente “lindia” de morrer, acaba quando o sujeito ousa dizer que não concorda com tudo o que é dito em seu nome pela galerinha engajada do ódio do bem.

E isso acaba dum jeito espetacular. Num estalar de dedos, toda aquela fofura politicamente correta desaparece, revelando a verdadeira face da hidra vermelha que se escondia debaixo de todos aqueles pompons retoricamente e democráticos.

Sim, nada impede que uma pessoa proceda desse modo, de forma tão vil. Quer dizer, há. A tal da consciência moral. Mas é preciso ouvi-la atentamente e sem filtros ideológicos para que ela possa realmente curar nossa alma dessa chaga que nos leva a instrumentalizar os outros, especialmente os inocentes, em favor duma desprezível ideologia.

Penso que devemos reconhecer, sempre, que qualquer um, antes de ser uma minoria, antes de confessar esta ou aquela religião, antes de ser qualquer coisa, esse qualquer um é uma pessoa, com seus dramas e dilemas vividos neste mundo e diante de Deus.

Isso é algo que todos nós deveríamos nos esforçar para reconhecer e compreender; aí, quem sabe, todas as artimanhas da Hidra rubra perderiam o seu poder de persuasão e sedução sobre a nossa torturada consciência culpada.

Enfim, nesse tempo do advento é um momento propício para examinarmos nossa vida, à luz da nossa consciência e guiados pelo decálogo, que estão acima de todas as ideologias. É um tempo favorável para compreendermos que há muito mais coisas entre o céu e a terra do que a boniteza dissimulada dos usos e abusos da palavra democracia.

É um tempo benfazejo para reconhecermos e confessarmos, diante de Deus, que nos escondemos de nós mesmos por muito tempo, nos colocando atrás de ídolos que cultivamos e incensamos em nossa cabeça e que, sem querer, acabamos por nos distanciar Daquele que é o Caminho, a Verdade e a Vida [como ela deveria ser].

Enfim, o tempo nos convida para irmos além dele na direção Daquele que é hoje e sempre.

Escrevinhado por Dartagnan da Silva Zanela, em 16 de dezembro de 2019, dia de Santo Eusébio.

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