Certa feita, estava numa lanchonete com familiares e amigos, fazendo aquilo que todo mundo faz num estabelecimento comercial desse feitio. Pedimos uns belisquetes e algumas bebidas e ficamos proseando e rindo.

Lá pelas tantas me dei conta que havia uma presença que ficava, sutilmente, acompanhando o que fazíamos junto à mesa. Sim, era ela mesma: uma televisão.

Bem, ignoramos a sua presença e, acredito, que ela não ficou magoada.

Passado um punhado de tempo, um infeliz duma outra mesa teve a ideia infame de pedir para trocar de canal. Trocou; trocou de novo, mais uma vez, outra e, enfim, parou num canal que estava exibindo um programa chamado “Largados e pelados”.  Isso mesmo. Um bando de pessoas largadas no meio do mato, pelados, tendo de se virar pra sobreviver.

Bem, vi o que era e então, reuni forças para, novamente, voltar a ignorar aquela caixinha maldita e continuar a prosear com os meus, tendo em vista que o infeliz que pediu o controle do televisor encontrou o que ele tanto queria assistir: um bando de loucos, pelados, largados no meio do mato se ferrando de verde e amarelo.

Passaram-se os anos e, cá estou eu, de prosa com você sem saber ao certo o que dizer e aí, veio-me a mente esse ocorrido.

Da lanchonete? Não exatamente. Na verdade estava pensando no dito cujo do programa, o tal do “Largados e pelados”.

Ao rememorar as poucas imagens que vi, pensei, cá com meus alfarrábios, sobre duas questões.

A primeira é sobre o descomunal narcisismo, em misto com um inconfesso sadomasoquismo, que toma conta de nossa época. Literalmente há pessoas que se dispõem a ficar peladas e largadas à míngua somente pra serem vistas por muitos e, outras tantas, param pra ficar vendo elas se lascando junto das garras inclementes da mãe natureza.

Bem, como dizia meu avô materno, que Deus o tenha: o que é do gosto é regalo da vida.

A segunda, não menos importante, é vermos o quão frágeis e soberbos nós somos.

Bem provavelmente, as pessoas que voluntariamente entraram nessa fria televisiva, deveriam ser daqueles indivíduos que veem a si mesmos como autossuficientes, naturebas fodões, cheios de nove horas e, por isso, acreditavam sinceramente que eram sujeitos profundamente ligados à mamãe natureza e que, por isso, dar-se-iam muito bem no mato se fosse lá largados pelados sem nenhum dos confortos que são propiciados pelo mundo moderno.

Pois é, relembrando do que vi, mesmo que brevemente, penso que toda essa imagem que muitas vezes construímos não passa apenas duma das muitas formas de alienação de nossa época.

Explico-me: queremos crer que por cultivamos determinados hábitos tidos como saldáveis estaremos mais próximos da natureza, porém, nos esquecemos que praticamente todos esses hábitos apenas são possíveis porque temos a mediação dos benefícios que nos são ofertados pela sociedade moderna.

Enfim, esquecemos com facilidade que, no frigir dos ovos, não passamos de pó, que diante das forças da natureza não somos nada e que, tudo isso, junto e misturado, vestido ou pelado, não passa de vaidade. Só isso e olhe lá.

Bora tomar um café.

Escrevinhado por Dartagnan da Silva Zanela, em 04 de março de 2019, dia em que Hernán Cortés chegou ao México.

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