Por Dartagnan da Silva Zanela (*)

O ESCRITOR IGNÁCIO DE LOYOLA BRANDÃO tinha – não sei se ainda tem – o hábito de andar de lotação, sempre acompanhado de uma cadernetinha no bolso, para tomar nota das conversações que ouvia em seus passeios sem rumo ou direção.

Num desses passeios ele ouviu um diálogo entre duas senhoras que era mais ou menos assim: – Beltrana, qual é o certo: problemas ou “pobremas”? – Ocê não sabe? Mas você já é tonga mesmo em Fulana! Eu vou te explicar. É bem simples: “pobremas” são aqueles que a gente tem que resolver em casa, no dia a dia, e problemas são aqueles da matemática.

Convenhamos: essa conversação anônima é tão divertida quanto ilustrativa para refletirmos sobre um fenômeno, cada vez mais frequente na vida contemporânea, e fartamente documentado nas redes sociais e fora delas, que é o desdém manifesto pela realidade que as palavras indicam em favor da carga emotiva, imediata e superficial, que elas podem despertar em nós. Quando isso ocorre, ao invés do indivíduo procurar, zelosamente, reconstituir diante dos seus olhos a realidade que as palavras comunicam, dentro de um determinado contexto, ele acaba por apenas visualizar a projeção de uma gama de sentimentos confusos, epidérmicos e irascíveis que ocupavam algum lugar, sabe Deus onde, no íntimo do sujeito e que, num estalar de dedos, são ativados pela dita cuja duma palavra, esvaziada de seu conteúdo.

Palavra que, ao ser ouvida, é rapidamente preenchida por um turbilhão de paixões desordenadas. Imagino que todos nós já devemos ter passado por isso, da mesma forma que, todos nós, ao sentirmos isso, procuramos desarmar nosso espírito repelindo de nosso íntimo esse tufão descontrolado para recobrarmos a razão e, assim, retornarmos para as coisas mesmas, devolvendo a devida voz às palavras e calando, por hora, nossa impensada, emotiva e superficial reação. Pelo fato dessa arapuca ser extremamente corriqueira na sociedade midiática atual, que ela acaba sendo utilizada sistematicamente por inúmeros grupos ideologicamente constituídos para nos induzir a tomarmos atitudes que não correspondem, necessariamente, aos nossos anseios e a defender teses, facções e ideias que, em princípio, repugnamos.

E faz-se isso tudo sem saber claramente o que se está fazendo. Isso se deve ao uso indiscriminado dessas palavras-gatilho, que despertam emoções superficiais e silenciam realidades ululantes, levando o indivíduo a reagir feito um autômato que, ao ouvir ou ler certas palavras. De modo similar, não igual, a uma hipnose. Um bom exemplo disso seja o termo direitos humanos. Isso mesmo. Uma coisa é a realidade que ele, originariamente, evoca. Outra, bem diferente, é o uso tático da referida expressão dentro duma estratégia maior que, em princípio, não seria cabível, mas que, com o tempo, com o agregar de várias camadas emotivas, passa a ser visto como sinônimo disso, devido à repetição contínua, conforme a máxima de Goebbels.

O politicamente correto, dum modo geral, é assim. Aliás, tomemos o uso da expressão “direitos humanos”, usada como uma palavra-gatilho, associada à questão do aborto. Tal palavra, aborto, é dura e fria, mas pode ser suavizada para distanciar nossos olhos da realidade comunicada por ela. Ao invés de aborto passa-se a referir-se a essa prática como “antecipação terapêutica do parto”. Ao invés de falar-se em direito ao aborto diz-se “direito de decidir” e, finalmente, em “direitos reprodutivos da mulher”. Um direito fundamental. Resumindo: alguns podem até se opor a prática do aborto, do assassinato dum inocente sem direito a defesa e destituído de sua humanidade, mas quem iria manifestar-se, sem sentir algum desconforto, contra um direito fundamental? Sutil, não é mesmo? Maquiavelicamente sutil.

De mais a mais, na sociedade atual temos uma gama bem significativa dessas confusões que são geradas pela instrumentalização, maliciosa em muitíssimos casos, da ideia em si dos direitos fundamentais, que passa a ser utilizada para vestir as ideias mais disparatadas possíveis e pensáveis e, quando tais ideias são desnudadas, a resposta é automática: nossa! Você é contra os direitos humanos?! Seu fascista, taxidermista, cronista… bem, aí a criatividade dos insultos deixo a cargo daqueles que desejarem utilizá-los. Não se sinta melindrado em dizê-los contra esse caipira escrevinhante.

É um direito que lhe assiste e não serei eu que irei negá-lo. Parêntese. Fascista, homofóbico e demais expressões do gênero, tão fartamente utilizadas pela galerinha do “ódio do bem”, tem, obviamente, um significado muito claro e historicamente constituído, todavia, da forma leviana como são utilizadas no contexto atual, acabam sendo apenas mais uma palavra-gatilho usada como arma política. Fecha parêntese.

Sem mais delongas e chateações, pois já está praticamente na hora do meu cafezinho, o que torna o uso difuso desses termos, maliciosamente instrumentalizados, uma coisa tragicômica é que as pessoas que vivem com eles entre o amoroso ranger de seus dentes, acreditam, sinceramente, que por o fazerem, são pessoas sumamente criticas (outra palavra-gatilho), o que lhes permite colocar-se acima do bem e do mal e, por isso, sem o menor peso na consciência [crítica] sentem-se mui confortáveis para emitir julgamentos formados na base de dois pesos e duas medidas sem flagrarem-se, por um momento que seja, do absurdo reinante que se faz presente em suas almas.

Vale lembrar que a linguagem, ao seu modo, pode limitar ou dilatar a nossa percepção da realidade. Bem, nesses casos, das palavras-gatilho, acaba-se limitando drasticamente, ao mesmo tempo em que dá a sensação confusa e infusa de estar ampliando criticamente a sua consciência criticamente crítica. E, por isso, digo, mais uma vez: o “X” da questão não são os direitos humanos ou os assim nominados “direitos dos manos”, mas sim, a percepção que temos da realidade que está subjacente às palavras que, por malícias ideológicas mil, não geram problemas, nem “pobremas”, mas sim, uma confusão dos diabos similar a uma cama de gato infernal que não contribui em nada para salvaguarda dos direitos fundamentais. Enfim, por essas e outras que, penso eu, devemos, como Nelson Rodrigues, pedir sempre a Deus que nos livre de ser uma pessoa inteligente, criticamente inteligente. Deus nos livre e guarde desse trem medonho. Agora chega! Tá na hora do meu café.

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Obs.: para melhor compreender os fundamentos das tonguices que povoam minha cumbuca, e que se fizeram refletir em nessas turvas linhas, sugiro as seguintes leituras: A CORRUPÇÃO DA INTELIGÊNCIA, de Flávio Gordon; DIREITO, LEGISLAÇÃO E LIBERDADE [três volumes] de F. Hayek; A VERDADEIRA FACE DO DIREITO ALTERNATIVO, de Gilberto Carvalho de Oliveira; MENTIRAM (E MUITO) PARA MIM, de Flávio Quintela; A MENTE ESQUERDISTA – AS CAUSAS PSICOLÓGICAS DA LOUCURA POLÍTICA, de Lyle Rossiter; INTELECTUAIS E SOCIEDADE, de Thomas Sowell; CONFLITOS DE VISÕES do mesmo autor; BANDIDOLATRIA E DEMOCÍDIO, de Diego Pessi e Leonardo Giardin de Souza; A NOVA ERA E A REVOLUÇÃO CULTURAL, de Olavo de Carvalho; PONEROLOGIA, de Andrew Lobaczewski; PODER GLOBAL E RELIGIÃO UNIVERSAL, do Monsenhor Claudio Sanahuja. Bem, de início e por hora é isso. Divirtam-se.

(*) Apenas um caipira bebedor de café.

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