José Carlos Correia Filho*
“Raciocinar é difícil. Adjetivar é fácil, insultar é imediato.” Essa frase é de Leandro Karnal, um historiador brasileiro, atualmente professor da Universidade Estadual de Campinas. Tenho acompanhado algumas falas deste professor pelo canal de televisão Band News, a em 90% das vezes gosto do que assisto. Mas a razão para eu estar citando esta frase aqui, neste espaço público de debate, de informação, de notícias e de reclames, é justamente a forma como temos nos comportado em tais espaços. Claro que em especial, este texto se aplica à Internet e às redes sociais. Em tempo, vejam que eu me coloquei dentro da situação a qual abordarei. TEMOS nos comportado mal na hora de exercermos nosso direito à livre participação e opinião frente aos problemas e questionamentos do cotidiano. Todos, a grande maioria de nós.
Num tempo não muito distante da História do Brasil, não seria possível termos espaços de livre discussão, debate, informação, reivindicação. Seríamos presos, processados, poderíamos até perder a vida pelas mãos do próprio Estado Brasileiro. E em vários países e regiões do mundo isso ainda vigora. Mas aqui não! É uma dádiva, vivemos num país livre, democrático, onde nossa voz pode até não ser muito ouvida ou levada a sério pelas autoridades, mas pelo menos ela pode ecoar. Podemos falar, gritar, escrever, postar, publicar. Mas e aí? O que estamos fazendo com esse direito?
Vendo muitas discussões por aqui e em doutros meios, estamos fazendo exatamente o explicitado na frase pelo professor Karnal. Raciocinamos pouco, pois isso é difícil. Ao vermos qualquer opinião, postagem, colocação do outro, que não concordemos minimamente, não paramos para pensar no direito do outro em se expressar. Nas razões que o levaram a tal ação. Não paramos nem mesmo para tentar saber mais a fundo sobre o assunto. O que fazemos? Nós adjetivamos.
Adjetivar é muito fácil. Nós falamos mal, rotulamos, exasperamos, zombamos. Sequer temos a preocupação com o ser humano que nos aparece como interlocutor. É apenas mais um perfil, frio, sem vida, ao qual eu preciso atacar, colocar um alcunha, qualidade, valor (sempre rebaixado perante nós mesmos). A necessidade do outro é sempre menor que a nossa. Suas demandas são menos pertinentes que as nossas. Eu estou sempre antes, meu grupo, minha categoria profissional, minha classe social, estamos em prioridade sempre, e portanto as precisões dos outros são menos importantes.
Mas antes de tudo isso, nós insultamos. Como diz Karnal, isso é IMEDIATO. Quem disse ao outro que ele pode opinar? Quem lhe deu tal direito? Que audácia o outro desejar expor sua opinião, suas demandas, seus apontamentos quanto à uma realidade! Preciso pô-lo em seu lugar, preciso mostrar-lhe que aqui a minha ideia deve prevalecer. E o farei de que forma, pela argumentação? Pelo debate racional e polido de quem possui elementos de convencimento suficientes? Não! Eu vou vencer meu interlocutor pela agressão. Eu tenho mais xingamentos para usar. Eu posso denegrir sua imagem. Posso atacá-lo pela via pessoal. Posso atacar sua atividade laboral, seu trabalho. Posso atacar sua família, ou situações de sua vida particular. Eu posso tudo. Afinal, quem me vigia aqui, atrás dessa tela de computador, ou de Smartphone? Aqui eu sou intocável.
Antes do raciocínio, do uso da razão, do argumento, da sabedoria que ilumina o debate, da compreensão do direito do outro em também ser ouvido, utiliza-se o ataque. A coisa parte para uma baixaria, ataques de cunho pessoal, ofensas, acusações que em nada contribuem para o processo formativo de opiniões ao qual o debate deveria se prestar. Tudo isso estimulado muitas vezes por uma plateia de estúpidos, estultos ainda maiores que adoram apenas o embate, adoram ver pessoas se digladiando em público sem que isso frutifique em solução alguma para o problema inicial.
Seria, portanto, útil e bastante pertinente analisarmos, para finalizar esses devaneios, uma frase de Joseph Joubert – moralista e ensaísta francês. Ele dizia que “a meta de uma discussão ou debate não deveria ser a vitória, mas o progresso”. Que progresso estamos tendo em nosso debates da forma como os estamos conduzindo? Estamos crescendo, ou retrocedendo? A ignorância e o imediatismo não nos estão cegando? Como diria o jornalista e cartunista estadunidense Robert Quillen: “Um debate é uma troca de conhecimentos. Uma discussão é uma troca de ignorâncias.” Por vezes vejo que estamos estultamente discutindo, infinitamente desfilando nossas ignorâncias.
*professor de História.
Redes sociais, debates, discussões e ignorância.
31/01/2017 - 13:28
Autor: Naor Coelho