Por Bruno Zampier
“Ninguém é perfeito!” é uma daquelas frases prontas que todo mundo repete, e que costuma preceder um reconhecimento de mea culpa, ao mesmo tempo com que justifica o erro: já que ninguém é perfeito, não esperem que eu seja.
Não pode haver lugar mais humilde e confortável para confessar uma falha; esta declaração é, ao mesmo tempo, uma acusação, uma lição de moral e o prelúdio de uma confissão que já começa exigindo misericórdia, etiquetando o interlocutor como suspeito de parcialidade, caso resolva escancarar e sentenciar o erro.
“Eu menti, mas quem não mente?”;
“Eu fui egoísta, mas quem não é?”;
E ai de quem conclua: “pois bem, então você é um mentiroso egoísta!”.
O problema é que, para um cristão, não ser perfeito é um defeito preocupante. Não deveria preceder confissões. E assim como não invocamos nossa mediocridade para exigir um direito, também um cristão não deveria invocar sua falta de perfeição para exigir tolerância. No mais belo sermão de todos os tempos, o famoso Sermão da Montanha, Jesus impõe aos seus discípulos a obrigação de serem, simplesmente, perfeitos. E perfeitos, assim como Deus.
Em Mateus 5:43-48 ele diz:
Ouvistes que foi dito: Amarás o teu próximo, e odiarás o teu inimigo.
Eu, porém, vos digo: Amai a vossos inimigos, bendizei os que vos maldizem, fazei bem aos que vos odeiam, e orai pelos que vos maltratam e vos perseguem; para que sejais filhos do vosso Pai que está nos céus;
Porque faz que o seu sol se levante sobre maus e bons, e a chuva desça sobre justos e injustos.
Pois, se amardes os que vos amam, que galardão tereis? Não fazem os publicanos também o mesmo?
E, se saudardes unicamente os vossos irmãos, que fazeis de mais? Não fazem os publicanos também assim?
Sede vós pois perfeitos, como é perfeito o vosso Pai que está nos céus.
O mundo, no entanto, astuto como as serpentes, apressou-se a cercar cada uma das virtudes com frases prontas que justificam os erros ou mesmo que debocham das virtudes. Pois a perfeição, ou santidade, significa a prática dos princípios morais no seu mais alto grau: a paciência, a humildade, o desapego, a sinceridade, o amor ao próximo. Para todas elas, e tantas mais, há uma boa piada.
Se alguém aponta nossa falta de paciência, logo bradamos: “eu não tenho sangue de barata!”;
Se somos humildes e obedientes a alguém, logo dizem: “aquele é um pau mandado!”;
Se somos desapegados dos bens materiais e fazemos pouco caso das riquezas do mundo, dirão: “esse aí é um pé rapado, coitado”;
Se praticamos a religião com devoção, logo estarão ironizando: “carola!”;
Se perdoamos quem nos fez mal, “frouxo, covarde!”;
Bem por isso é que só nos colocamos entre os destinatários das comemorações do dia primeiro de novembro a título de piada. Não somos santos e achamos isso engraçado. Jesus Cristo, no entanto, não achava engraçado. Como disse Chesterton em “Ortodoxia”, o Galileu arremessou mesas pelas escadarias do templo e questionou aos homens como eles esperavam escapar da danação do inferno. Para Ele, este era o assunto mais sério de todos.
Mas para a maioria das pessoas, a busca pela perfeição é algo utópico, algo como tentar alcançar uma miragem ou correr para chegar até a linha do horizonte. Os santos, como São Francisco ou Santa Teresinha, são aquelas pessoas que ousaram levar a sério esta empreitada. E não é que conseguiram? Basta ler a vida dos santos e você encontrará fatos comprovados de pessoas que praticaram as virtudes em um grau incompreensível para nós, os medíocres. A coragem e a bravura de Santa Joana D´Arc; o desapego do mundo de São Francisco; o perdão e o amor ao inimigo em Santa Maria Goretti; a devoção no mais recente beato: Carlo Acuttis. Se pudéssemos reunir todas essas pessoas diante de nós, perceberíamos que ironizar a perfeição, de fato, não tem nada de engraçado. Na verdade, diria eu, é bem preocupante. Poderemos nós, estarmos um dia ao lado dessas pessoas?
Por outro lado, é preciso reconhecer que, se alguém conseguiu, então é bem possível. E essa possibilidade é que torna a vida uma grande oportunidade: não estamos aqui para vencer os outros em riqueza, em vaidades, em reconhecimentos. Na ótica bem ordenada dos santos, isso é bem pequeno. Estamos aqui para algo bem maior: vencer o mundo em si mesmo. Esta foi uma das últimas palavras de Cristo ressuscitado em João 16: “Eu disse essas coisas para que em mim vocês tenham paz. Neste mundo tereis aflições; contudo, tenham ânimo! Eu venci o mundo”.
Hoje, primeiro de novembro, é o dia dessas pessoas que triunfaram sobre o mundo. Muitos deles experimentaram a riqueza ou a fama, provaram das melhores comidas, beberam até cair, deleitaram-se com os prazeres da carne. Mas um dia, por algum motivo, resolveram rebelar-se contra o mundo. Eles escolheram não mais ceder, não mais se submeter. Eles venceram e hoje torcem por nós, dizendo: “Vai! Ainda dá tempo!”