Cozinhar é uma arte.

Alquimia de quem recebeu o dom de encantar todos os sentidos ao mesmo tempo e ainda satisfazer desejos.

Enquanto um prato é preparado, ouve-se a melodia de tudo que é usado durante a transformação do óbvio no inesperado.

Seguido do aroma que vem do laboratório encantado faz aguçar a imaginação de como será o sabor, a cor, a textura de algo assim tão perfumado.

Quando enfim apresentado encanta os olhos, com suas cores, disposição, beleza.

E, ao encontrar-se com as papilas gustativas, o ciclo de perfeição se fecha: o som, aroma, beleza, textura e sabor juntos tornam a refeição não apenas algo para “matar a fome” ,mas sim o viver de uma bela e inesquecível experiência.

Afinal, aquela experiência foi de total encantamento.

E quem são os magos dessa arte?

Dias desses, assisti ao bate papo com uma chef elegantíssima e famosa.

Ela dizia que cozinhar é um trabalho muito duro, muito difícil.

Que são horas e horas em pé de transpiração, mãos doloridas e calejadas, cortadas, muitas vezes queimadas.

A vida de um cozinheiro não é nada fácil, muito menos glamorosa.

Fiquei pensando que eu e minhas habilidades culinárias, que lutamos em uma micro cozinha, dia a dia, para tentar apenas sair do zero na escala de aprovação do paladar familiar, somos somente uma poeirinha flutuante no universo dessa arte.

A arte da transformação, da paciência, do resultado no seu próprio tempo, temperatura e espaço.

Ela não tinha o menor interesse em cozinhar.

“Você sabe fritar ovo, minha filha?”

Ela sorria e, enquanto saia de fininho, respondia como em um sussurro:

– Fritar não sei, mas desconfio que se for mexido sai alguma coisa.

Um dia, a mãe, que se preocupava de verdade com o que comeria aquela menina quando fosse viver sozinha, a escutou conversando com uma amiga:

– Eu até tenho vontade de me aventurar na cozinha, mas é que essa história de ter que esperar para as coisas acontecerem me angustia. Você não pode fazer nada fora do tempo ou tudo dá errado. Não tenho paciência.

A amiga pareceu se assustar:

* Como assim?

Ela, já impaciente:

– Você já seguiu uma receita? Já fez alguma coisa na cozinha?

A moça que parecia gostar de fazer além de comer:

* Já fiz uma coisinha ou outra. Sigo receitas sim e sempre dão certo.

– Mas você segue passo a passo? Obedece aos tempos determinados?

A amiga ainda admirada:

* Ué, sigo sim. Até porque, se a gente não seguir direitinho, dá errado. Se deixar demais no forno, por exemplo, queima. Se deixar de menos, fica cru.

– Então! É isso que eu não aguento. Vai me dando um desespero em ter que esperar. Não tenho paciência nem de fazer pipoca na pipoqueira. Amo pipoca de panela, mas minha paciência só dá pra pipoca de micro-ondas.

A amiga começou a gargalhar:

*Então, é por isso que você não cozinha? Por que não aguenta esperar?

Ela, muito séria, como quem desabafa um sofrimento:

– Não sei o motivo da sua risada. É verdade o que estou falando.

A amiga parou de rir, viu que era verdade o que Ela dizia e se recompondo:

*Menina, pensa comigo: tudo precisa de tempo pra ficar pronto. Tudo tem o tempo certo para você olhar e dizer: pode ir para o mundo. Já pensou se você ficar grávida hoje e seu bebê “nascer” amanhã? Você vai sofrer um aborto sem nem saber que ficou grávida.

A ansiosa de plantão arregalou os olhos e permaneceu em silêncio.

A Amiga continuou:

*E se jogasse hoje uma semente no chão e amanhã a árvore estivesse adulta? Onde estariam fincadas essas raízes? E se um menino de 17 anos entrasse hoje na faculdade e amanhã saísse médico? Como seria formado esse profissional?

Aí Ela indignou-se:

– É muito diferente. Essas coisas precisam mesmo de tempo para amadurecer, crescer, formar. Agora, cozinhar? Esperar o pão crescer? Esperar o feijão cozinhar? Esperar o tempo de o bolo assar? Eu não tenho paciência.

A amiga sorriu e concluiu:

*Não faz mal. Não há qualquer problema em não gostar de cozinhar. Você não gosta, não cozinha. Vai passar a vida inteira refém de alguém cozinhar para você, pagar caro em restaurante, nunca vai ter a alegria de ver quem você ama sentindo seu carinho através da comida, mas isso não tem problema nenhum. É opção. Agora, deixa de onda. Você espera para tudo nessa vida e só não quer esperar o tempo que as comidas precisam para ficarem prontas? Inventa outra, gatinha.

A mãe, que até agora estava ouvindo a conversa riu baixinho e foi cuidar da vida.

Naquela noite, Ela escolheu uma receita.

Foi ao Sr. Google e digitou assim: “receitas fáceis e rápidas”.

Vieram várias listas de receitas que prometiam ser fáceis até para quem nunca “fritou um ovo”.

E começou devagarzinho, cheia de medos e dedos.

Seguiu a receita, obedeceu ao tempo de cada um dos passos.

E deu certo.

Saiu delicioso.

De vez em quando começou repetir o ritual de cozinhar.

“Tá gostando de cozinhar, minha neguinha?”

– Tô nada. Só inventando uma coisinha. São receitinhas fáceis e rápidas.

Um dia, resolveu comprar um livro de receitas.

No outro, viu a propagando de um curso de risotos e se interessou:

– Ouvi dizer que algumas pessoas dizem não saber cozinhar e, mesmo assim, fazem risoto. Eu não sei fazer nada então vou aprender ao menos esse prato que é coringa!

Ao fim do curso, convidou alguns amigos para jantar e, ao final da noite, escutou:

#Sua comida estava maravilhosa. Você cozinha muito bem, está de parabéns!

Ficou feliz.

Ela gostou de seu trabalho.

Gostou do que comeu.

Gostou do que ouviu.

Resolveu estudar, aprender, resolveu crescer devagarzinho.

E, um dia, algum tempo depois, enquanto via pela enésima veza costela que já estava no forno há mais de uma hora, deparou-se com o sorriso daquela velha amiga:

*Quem te viu e quem te vê, menina.

Ela, que não precisava de qualquer explicação, foi direto ao ponto:

-Aquela noite, eu fiquei pensando no que você me falou: por não gostar de fazer uma coisa tão legal, por nunca ter-me permitido conhecer, por preguiça de tentar, eu estava me privando de um grande prazer –falou sorrindo.

A amiga feliz por ter feito parte da mudança:

*Esse tempo que você coloca aqui é o mais delicioso de todos, sua cachorrinha!

Abraçaram-se em meio a uma gargalhada com perfume de costela assada e Ela agradeceu:

-Obrigada por me mostrar, naquele dia, que minha impaciência estava tirando de mim o que hoje é minha grande alegria e mostrar também que tudo que eu falava era só desculpa para minha preguiça. Depois que descobri os prazeres da cozinha, ando de olho nas outras desculpas que dou para boicotar novidades em minha vida. Olho e trato logo de dar um chute em cada uma delas.

Ah, sim, minha irmã, tenho descoberto cada coisa aqui dentro – falou apontando para a própria cabeça.

Dia desses descobri que… eita, deixa eu olhar essa costela. Agora, acho que está pronta!

E assim foram servir o almoço, pois havia pessoas famintas esperando por “sua” costela.

Vivi Antunes é ajuntadora de letrinhas e assim o faz às segundas, quartas e sextas no www.viviantunes.com.br

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