– Algumas coisas me incomodam terrivelmente.

“Então, mude.”

– Mas, assim, algumas coisas da vida alheia me incomodam terrivelmente.

“Você não tem coisas suficientes em sua própria vida para se incomodar e se preocupar? Está tendo tempo de se deter na vida alheia? Faça-me o favor!”

– Não, por favor, deixe-me explicar. Não fico pensando na vida alheia não. Muito menos me intrometo nela. São só algumas coisas que vejo e, na hora, tenho vontade de ir lá e mudar.

“Sinceramente, acho que lhe falta serviço. Não tem uma trouxinha de roupa pra lavar não? Sabe identificar em cinco segundos uma Oração Subordinada Substantiva Completiva Nominal?”

– Ei, espere aí, deixe contar o que me incomoda!

“Sabe ou não sabe identificar a Oração?”

– Não. Não sei, mas estou trabalhando para isso. Posso falar? Poxa vida, eu aqui querendo desabafar minha agonia e você nem pra escutar quieto!

“Se fosse algo seu, eu ouviria calado, mas é da vida alheia. Mas fala, fala logo, desabafa, criatura!”

– O cabelo que esses meninos estão usando agora. Eu acho tão feio! Tão feio, mas tão feio que tenho vontade de chegar assim, quietinha, perto deles passar a máquina bem no meio da cabeça pra aleijar bem o penteado e sair correndo. Aí, o moço que carregava aquele cabelo estranho vai ter que tomar uma atitude.

“Mas não é você que empunha a bandeira de que os cabelos só precisam agradar a quem os carrega? Onde foi parar sua coerência?”

– Sim! Acredito nisso sinceramente. Mas essa moda tá feia demais. Dia desses, apareceu um cara na minha frente que me assustou: misericórdia é uma cacatua. Eu juro, era direitinho uma cacatua o pobre rapaz. O interessante é que ele estava se achando lindo. Nos vimos na academia e ele se olhava e se ajeitava, se achando o máximo.

“E você querendo avançar na cabeça do cidadão para quê? Ele já tinha tomado uma atitude. Havia se transformado em uma cacatua gigante e estava feliz!”

– Assim, só pra tirar o topete loiro, deixar tudo na máquina dois. Acho que ele ia ficar bem simpático.

“Só pra constar: você sabe identificar uma Oração Subordinada Substantiva Completiva Nominal?”

– Ahaa, garoto. E aquelas unhas pontudas?

“Como são unhas pontudas?”

– Aquelas unhas que a pessoa lixa e fica uma ponta, parecendo uma lança. Tenho vontade de atacar com um cortador de unha.

“Deixe ver as suas.” – Ele pega minha mão antes que eu me dê conta. “Suas unhas estão sem fazer e ainda sujas!”

– Como eu ia dizendo, unhas pontudas e cabelos masculinos da moda 2017 me angustiam terrivelmente. E eu não falo essas coisas pra ninguém, só para você, porque tem coisa que me entala e, se eu não falar ao menos pra você, morro engasgada.

“Morre não! Garanto que não morre. E mais, vou dar uma receita: cada vez em que você vir uma coisa da qual não tenha nada a ver, como cabelos que lembram uma cacatua ou unhas em forma de lança, pense assim: eu sei identificar uma Oração Subordinada Substantiva Completiva Nominal em menos de cinco segundos? Caso a resposta seja negativa é sinal que a sua pessoa não tem tempo de se preocupar com nada que diz respeito à vida dos outros.”

Fica a dica.

Vivi Antunes é ajuntadora de letrinhas e assim o faz às segundas, quartas e sextas no www.viviantunes.wordpress.com

 

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