Por Gisele de Pádua

Quem chega à comunidade de Alecrim, situada a 16 km da sede de Pinhão, percebe que a natureza foi generosa para com seus habitantes, a calmaria que reina é sublime, se percorrer a pé, o visitante poderá ouvir o canto dos pássaros, o que torna o lugar ainda mais agradável.

Porém, há uma bifurcação na estada principal e quem percorre no sentido esquerdo da estrada principal encontrará um número maior de residências e uma casa comercial e o prédio da antiga Escola Municipal João Paulo II, já desativada há algum tempo.

E do lado direito poderá ouvir o barulho de uma linda cachoeira, localizada na propriedade do senhor José Neuri.  Seguindo adiante, a estrada termina na propriedade do senhor Alcides Freski, de 76 anos, o morador mais antigo da comunidade e é ele quem descreve este lugar, que conhece muito bem. Mora lá desde que nasceu e pretende ficar mais ‘alguns muitos anos’ para desfrutar do lugar que tanto ama.

SEM BARULHO

A calmaria do lugar é que faz com que muitos moradores não deixem suas propriedades, tão pouco desejam que o ‘progresso’ chegue lá. Uma versão defendida por seu Alcides, que não gostaria que estas terras fossem invadidas por muita gente de uma vez só. “Quero que venham, mas em poucos, apreciem o lugar, desfrutem desta tranqüilidade. Nada de confusão. Aqui é muito tranqüilo e gosto assim, vivo aqui desde que nasci há 76 anos, esta paz trouxe outras pessoas para morarem e criarem seus filhos e construírem suas famílias, ta bom assim”.

Sua história de vida está toda ligada ao Alecrim, conheceu a esposa em uma festa de casamento, a jovem Roselina Ferreira de Macedo, com quem teve os filhos Maria do Belém, Pedro, Vergilina, Roseli, Nelson e Angelita. Após o matrimônio, foi morar na localidade de Alto do Iguaçu. “Foi por pouco tempo, voltei para cá, foi a única fez que me mudei do Alecrim, mas voltei rapidinho, pois não consegui me acostumar. Naquele tempo, tinha uma tia que morava com minha avó, acertei com ela a colheita da erva-mate, que era um bom negócio, ficamos como sócios e fomos progredindo. Vim para esta casa com a família e assim ficamos, até que com o dinheiro de várias colheitas pude adquirir esta propriedade. A terra é boa, produtiva, em se plantando tudo dá. Vim para não sair mais e estou até hoje. Minha segunda esposa, Rosa Ferreira, também gosta muito daqui”.

 MUDANÇAS

Seu Freski recordou que há muitos anos o sistema de agricultura eram semelhantes à dos faxinaleses, onde os animais eram criados soltos e as culturas plantadas sem cercas limites. “Os filhos trabalhavam junto, para estudar, os mais velhos foram morar na casa do seu sogro, onde hoje é Faxinal do Céu, pois o lugar não tinha uma escola. Com o tempo e após a eleição do prefeito Darci Brolini, a comunidade se uniu e requereu a construção de uma escola no Alecrim. Ele prontamente nos atendeu e construiu uma escola e meus filhos mais novos puderam estudar perto de casa, pois cedi um pedaço de terra e outras crianças também puderam frequentar a escola. Depois veio uma lei que a escola deveria estar edificada em um terreno que tivesse escritura, então o seu Sérgio Rosseto fez uma doação. Mais tarde mudaram para adiante e ficou perto dos Fagundes, não sei por que”.

Com o tempo, sua filha mais velha, Maria do Belém, que tinha avançado nos estudos por ter morado em Curitiba, foi trabalhar como professora na escola. “Mudava a escola e ela mudava junto, estudou tudo que precisava para ser uma boa professora, abraçou a profissão com grande amor”, disse seu Freski.

O casal Alcides Freski e Rosa Ferreira (Foto: Gisele de Pádua/Fatos do Iguaçu)

O casal Alcides Freski e Rosa Ferreira (Foto: Gisele de Pádua/Fatos do Iguaçu)

SOSSEGO

Para este agricultor, quem deseja morar em um lugar sossegado, o Alecrim é o melhor lugar do mundo, conta que as propriedades hoje em dia são cercadas, diferente de outros tempos, onde tudo era livre. “Aqui onde moro é o começo do Alecrim e volto a repetir, é um lugar sossegado, mas não serve para quem deseja montar um hotel-fazenda, por exemplo, não dá certo, é muito longe do asfalto. Quem deseja ter um negócio desse, tem que procurar outro lugar”, recomendou.

A comunidade católica freqüenta a igreja de São Sebastião que fica à beira da PR 170 e alguns moradores freqüentam a Igreja Luterana, na sede do município. “Nos tempos antigos, assim como hoje, as festas na Igreja São Sebastião eram divertidas e o pessoal se reunia para encontrar os amigos e ter um dia agradável. A igreja está lá até hoje, aqui no Alecrim não temos uma igreja, mas somos pessoas de muita fé. Uns católicos, outros evangélicos, cada um respeita a religião do outro da comunidade. Esta é outra característica do Alecrim, união e respeito”.

CONTRA A VONTADE

A distancia que separa o município gaúcho de Não Me Toque e Pinhão é de aproximadamente 457 quilômetros. Aquele município teve índios como primeiros habitantes nativos, mas, a partir de 1827, começaram a chegar à região imigrantes europeus, que iniciaram as atividades agropecuárias. Em meados do século XX, os descendentes de italianos e alemães, entre estas famílias estava os Witte, que buscaram melhores condições de vida dedicando-se à agricultura e à extração de madeira em Não me toque.

Hildiberto Witte a filha Ivanize e o genro Elói (Foto: Gisele de Pádua/Fatos do Iguaçu)

Hildiberto Witte a filha Ivanize e o genro Elói (Foto: Gisele de Pádua/Fatos do Iguaçu)

Hildeberto Witte, hoje com 76 anos, viúvo há um ano, trouxe a esposa Vera junto com os filhos Edson e Ivanize e o genro Elói Ecker. Aos 44 anos este agricultor deixou o Rio Grande do Sul e há 32 anos começou uma vida nova no Paraná. A família não se arrependeu, encontraram no Alecrim uma vida nova, amigos, prosperidade, qualidade de vida e a tranqüilidade que só este lugar é capaz de oferecer.

“Meu irmão Bruno Witte esteve por estas bandas e comprou umas terras, mas sem a intenção de vir para cá. Quando meu pai o escolheu para tocar a nossa propriedade, ele me ofereceu estas terras. Meio contra a vontade viemos para cá, era só mato, somos a segunda família que se instalou aqui. O Alecrim mudou muito depois que viemos para cá. As famílias, que eram nativas daqui, continuam com as propriedades do mesmo jeito. Assim que cheguei, um morador me perguntou o que vim fazer aqui, disse que iria fazer lavoura e ele me avisou, aqui não dá nada, vão morrer tudo de fome. Perguntei para ele, quando o senhor fica doente o que faz? Não vai ao médico se tratar? É o que vou fazer, tratar a terra e colher muito, assim como os alemães. Hoje mostramos que estávamos certos, colhemos como eles, porém nosso carro chefe é a produção de leite. O pessoal daqui era e continua sendo muito acomodado”.

O agricultor recordou que para se mudar para o Alecrim reuniu a família, expôs como era o lugar e tudo que enfrentariam neste local. E foi enfático “se vocês me acompanharem, mudamos, senão, ficaremos por aqui mesmo”. Eles concordaram e continuam juntos até hoje.

Sábado a tarde é dia de cacheta (Foto:Gisele de Pádua/Fatos do Iguaçu)

Sábado a tarde é dia de cacheta (Foto:Gisele de Pádua/Fatos do Iguaçu)

CURIOSIDADE

Em Não me toque, seu Witte tinha uma oficina, uma fundição, o que lhe causou um grande problema de saúde. Para se curar ele fez um tratamento em Minas Gerais por dois anos e tinha a recomendação expressa de morar em um lugar onde o ar fosse puro, longe dos produtos tóxicos. Trabalharmos a lavoura não era novidade para ele, pois quando criança morou e trabalhou na roça. “Em uma das minhas viagens de volta de Minas Gerais, minha filha parou para tirarmos umas fotos, a usina estava em construção e passamos por um desvio. Observei o lugar e falei: aqui é terra boa, vou comprar umas terras aqui. E foi curioso, porque me perdi no entroncamento e quando vi estava em Guarapuava, olhei o mapa e vi que poderíamos seguir para o Rio Grande por esta estrada, a PR 170. Oito anos depois, por pura coincidência, eu estava vindo morar aqui no Alecrim”.

 LUTO

Tanto o senhor Freski quanto o senhor Witte passaram por momentos difíceis quando perderam suas esposas. Em julho de 2008, dona Roselina partiu. “Ela estava fazendo hemodiálise e precisava de um transplante de rim e uma vizinha se prontificou a ser a doadora. Elas foram para Curitiba, fizeram alguns exames e estavam se preparando para fazer outros. Porém, não conseguiu suportar a doença e acabou falecendo. Nesta hora pude perceber quantos amigos tenho aqui no Alecrim”.

Em abril de 2016, a família Witte sofreu com a partida de dona Vera, que também vinha sofrendo há tempos com uma enfermidade. “Não nos faltou um abraço amigo, inúmeros gestos de solidariedade, não nos sentimos sozinhos, a comunidade estava aqui para nos confortar”, contou seu Hildiberto.

Foto: Gisele de Pádua/Fatos do Iguaçu

Foto: Gisele de Pádua/Fatos do Iguaçu

PARAÍSO

Para o senhor Hildiberto, o clima do local é muito saudável, tanto que seus problemas respiratórios estão quase que desaparecidos. O Alecrim é um lugar maravilhoso, não tenho outra palavra para defini-lo. “Somos felizes aqui, prosperamos, realizamos sonhos, temos amigos. E este lugar tem tudo para que outras famílias prosperem como nós, algumas precisam de um incentivo, de alguém que os ajude. Não é preciso sair daqui para procurar emprego, é só trabalhar a terra. Assim como nós vencemos as dificuldades, os outros moradores também conseguem, se um dia o Alecrim deixar de ser o Alecrim, é para se chamar Paraíso”.

 

 

 

 

 

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